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quinta-feira, julho 31, 2003

Mas eu, em cuja alma se reflectem
As forças todas do universo,
Em cuja reflexão emotiva e sacudida
Minuto a minuto, emoção a emoção,
Coisas antagónicas e absurdas se sucedem –
Eu o foco inútil de todas as realidades,
Eu o fantasma nascido de todas as sensações,
Eu o abstracto, eu o projectado no écran,
Eu a mulher legítima e triste do Conjunto,
Eu sofro ser eu através disto tudo como ter sede sem ser de água.


Álvaro de Campos

terça-feira, julho 29, 2003

Agradecimentos 

Uma vez mais, é hora de agradecer links e palavras amáveis. Imagino que alguém possa ficar de fora (não sei bem como os descobrir), pelo que peço desculpa. Em vindo a pachorra, darei forma à coluna do lado, mas, para já, aqui deixo mais alguns motivos para eu continuar: Antena Paranóica (Brasil), Blog Anónimo, Catalaxia, Esmaltes e Jóias, Incongruências, Mata-Mouros, O Voo do Mocho e Turista Descalço.

Fina flor do entulho (Parte II e epílogo) 

Além de ser ironicamente pacóvio, o autor do blog Flor de Obsessão é grosseiramente mal educado. Como diria José Saramago, ainda tem de comer muito pão e muito sal até entender que a vaidade que o vai celebrizando entre os amigos mais não é do que a vulgarização que a posteridade lhe reserva. Prefere ser palerma a ser modesto e, claro, isso é lá com ele.

Terra Santa 

“Existem duas maneiras de ser imparcial: a do sábio e a do juiz. Têm uma raiz comum, que é a honesta submissão à verdade. (...) Chega, contudo, um momento em que os dois caminhos se separam. Logo que o sábio observou e explicou, dá-se por fim a tarefa. Ao juiz falta ainda dar a sentença. Se, calando em si qualquer inclinação pessoal, a dita somente de harmonia com a lei, julga-se imparcial. Sê-lo-á, efectivamente, segundo parecer dos juízes. Não segundo o parecer dos sábios. Porque não é possível condenar ou absolver sem tomar partido por uma tábua de valores que não releva de nenhuma ciência positiva. Que um homem tenha morto outro é um facto, eminentemente susceptível de prova. Mas castigar o assassino supõe que se considera o assassínio coisa condenável: o que, bem vistas as coisas, não passa de uma opinião em que não estão de acordo todas as civilizações.”

O que acabaram de ler foi escrito por Marc Bloch, em “Apologie pour l’histoire ou Métier d’historien” (o título da tradução portuguesa – “Introdução à História” – é um disparate). Marc Bloch, um dos historiadores contemporâneos mais importantes, contribuiu para revolucionar a metodologia e é uma referência essencial em História Medieval. Professor na Sorbonne, era francês e judeu. Foi herói da Resistência, fuzilado pelos nazis em 1944.

O excerto que escolhi serve, na perfeição, para relativizar as sentenças que vamos despejando nos blogs ou em qualquer outro suporte. Mas não foi por isso que me lembrei dele, antes para dar uma achega, se tal me é permitido, à troca amistosa de piropos entre o Apenas um Pouco Tarde e o Aviz a propósito do sempiterno conflito israelo-árabe. No fundo, todas as discussões sobre o tema, por mais fundamentadas ou elevadas que sejam, redundam no simples objectivo de determinar quais são os bons e quais os maus. As capacidades analíticas inerentes à idade adulta não anulam os valores construídos na infância, e muitas vezes, mesmo inconscientemente, mais não fazemos do que procurar justificações para aquelas que já são, instintivamente, as nossas simpatias. E encontramo-las, fazendo uso da nossa “tábua de valores que não releva de nenhuma ciência positiva”. É evidente que ninguém que não seja fanático acredita que os judeus são todos bons ou maus, que os árabes são todos bons ou maus. Entre os portugueses, em cuja misturada genética há muito de árabe e de judeu, não faltam bons e não faltam maus.

O que mais me preocupa é a possibilidade de as simpatias assentarem, unicamente, no pressuposto de rebanho político, ou seja, que ser de esquerda é ser pelos palestinianos e contra os israelitas, invertendo-se a ordem de preferências quando se é de direita. Essa parece-me uma péssima “tábua de valores que não releva de nenhuma ciência positiva”. A simpatia pelos israelitas resulta, em certos casos, do remorso por séculos de perseguição a um povo, o prévio martírio foi razão para a inevitabilidade de criar o Estado de Israel. Quanto à simpatia pelos palestinianos, além da tendência de torcer pela parte fraca, deve-se em muito à associação do Estado judaico aos americanos, ao tremendo poder bélico com que se combate a Intifada (há lá algo mais heróico e poético que combater à pedrada...). Nada disto é verdade. A guerra dos “mártires” é algo que nunca entenderemos, e um ocidental que diga compreender a forma como o Hamas ou a Jihad combatem não passa de um hipócrita. Forçosamente. Porém, também é verdade que os palestinianos não têm outra forma de combater o terrorismo de Estado israelita, exacerbado pelo radicalismo de Sharon. E, como escreveu Marc Bloch, o martírio dos fundamentalistas islâmicos “não passa de uma opinião em que não estão de acordo todas as civilizações”.

Israel tem direito a existir. No deserto que lhes deram, fizeram um país extraordinário. Mas a Palestina também tem esse direito. Israel foi legitimado pela comunidade internacional, o que deve ser respeitado. Mas, antes de Israel, a Palestina já era desprezada pelas potências ocidentais, como continuou a ser. Bloch era judeu, mas não sionista. A guerra matou-o por defender o seu país. A França. Os fundadores de Israel abdicaram das nacionalidades que tinham, e, às tantas, o professor da Sorbonne teria feito o mesmo se fosse um sobrevivente polaco, ou checo, ou russo. Ou talvez não. Talvez ele soubesse que um Estado com o seu quê de artificial, assente na unidade religiosa, posto à força numa terra que todos os filhos de Abraão reclamam como sua, não poderia resultar senão num interminável rito sacrificial.

segunda-feira, julho 28, 2003

Rufus Wainwright 

A canção com que o Terras do Nunca nos brindou, ao completar um mês de excelente bloguismo, enche-me completamente as medidas. Estou a ouvi-la e a oscilar na cadeira, pensando que Maurice Ravel não se importaria nada. Nem Harold Arlen (no final, pressente-se uma piscadela de olho sonora a "Over the Rainbow", d'"O Feiticeiro de Oz"). E sinto-me compelido a prolongar indefinidamente esta oscilação que me faz sorrir. E tenho também de a partilhar. Que Mundo, este!

sábado, julho 26, 2003

Rivalidade e realidade 

Este texto enorme, atendendo às desejáveis dimensões a ter em conta nos blogs, é resposta a um desafio lançado por e-mail pelo Guerra e Pás, que gostava de ver explicada, pelos olhos deste portuense, a eterna fricção entre Lisboa e Porto. Ou a forma como os daqui vêem os de lá, ou ainda o que lá significa para aqui. Se tiverem paciência, leiam. Caso contrário, peço-vos que tenham paciência, pois a normalidade segue dentro de momentos.

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Só quem não vive com o granito pode chamar-lhe cinzento. Tantas cores ele tem! Na mormaça da tardinha à beira-Douro veste a cor barrenta do rio, nas manhãs de bruma toma a forma de gigantes azulados, altivos protectores do burburinho que vai crescendo nas ruas. Luz, sombra e tempo fazem-no desigual, transformando a monotonia em mosaico. A igreja da Lapa é um desses gigantes de granito. Ao lado, jaz Camilo. Lá dentro, repousa o coração de D. Pedro IV, gratidão à cidade que resistiu heroicamente, em 1832 e 1833, ao longo cerco que haveria de dar nome a um blog, tantos anos depois de derrubado o absolutismo. Esse coração é o símbolo de um inabalável orgulho, de uma identidade fortíssima que torna esta cidade diferente. Não melhor nem pior, mas única.

São de antes da nacionalidade as diferenças entre Lisboa e o Porto – não as divergências –, e sempre as diferenças se mantiveram. Lisboa cresceu cosmopolita, ao tornar-se escala obrigatória na rota mercantil de Gibraltar, a partir do momento em que esta foi retomada, nos séculos XII e XIII. O Porto cresceu por si, em si. A vantagem geográfica de um estuário beneficiou Lisboa, é certo. Claro que não prejudicou o Porto, não é de competição que aqui se fala, mas foi mais um factor de diferenciação, no que à moldagem das gentes respeita, e que, mesmo que possa ser ténue reminiscência, continua a existir. E a diversidade do país, todos sabemos, não se esgota nestes dois pólos. A geografia, as diverentes estratégias de povoamento, a condição periférica, que sempre obstou ao desenvolvimento, e a governação centralista, da monarquia feudal ao marasmo do Estado Novo, são factores que potenciaram a existência de realidades tão díspares em terra tão pequena.

Historicamente, Lisboa escarnece do resto do país ou ignora-o. É razão para odiar os lisboetas? Não é. Mas, ao analisar esta questão do bairrismo, convém termos presente que, na capital do perdido império, pulula gente que pode discorrer sobre Borges, frequentar o restaurante de John Malkovich, beber uns copos na Rua da Atalaia ao lado do Pipi (sem saber, claro) e ignorar em absoluto onde fica Carrazeda de Ansiães. Claro que estas generalizações têm sempre um elevado grau de incorrecção, mas Lisboa basta-se, alimentando-se lá fora e borrifando-se cá dentro (fora de portas). Faz bem? Julgo que não. Lisboa não precisa de querer saber do Porto, ou de Coimbra, ou de Vila Franca das Naves para fazer coisas, para ser uma cidade dinâmica, para ganhar prestígio internacional. E, apesar do que de autista há em não querer saber dos outros e seguir o caminho livremente, outras cidades ganhariam algo em fazê-lo, se pudessem. Porém, sistematicamente, de há muitas gerações para cá, as outras cidades vivem na dependência de uma cidade que não quer, por aí além, saber delas. E isso gera um rancor quase congénito, queira-se ou não.

Quem mais se opôs à regionalização, em Lisboa, fê-lo da mesma forma usada pelos habitantes de Nelas para repudiar a criação do concelho de Canas de Senhorim. Lutou para não se ver despojado de algo. Para mim, a criação de concelhos a la carte é um disparate perfeito, mas diabos me levem se eu, sendo de Nelas, estivesse empenhado em manter, à força, elos de ligação com uma população que há tanto tempo queria ver-se livre de mim. Se a regionalização é um disparate, se não se quer fazer de Portugal uma manta de retalhos (argumento populista repetido à saciedade), haja o bom senso de ver que algo está errado e promova-se o quanto antes a reforma administrativa, tendo em conta novas realidades e dando adequada autonomia ao poder local (combatendo o caciquismo, pois...).

Se não fossem esses problemas, o Porto poderia, hoje, seguir o seu caminho sem pensar em Lisboa. É certo que a Invicta é mais atlântica e menos mediterrânica, mais recatada, menos exuberante. Menos empreendedora e arrojada, porventura, mas desde sempre condicionada pela espécie de buraco negro que é a capital, onde se criou uma estrutura que suga recursos, iniciativas e pessoas (ir para Lisboa é, ainda, a solução que muitos encontram para ascender profissional ou socialmente).

[Permito-me reproduzir, aqui, parte de um texto que escrevi a 4 de Julho:
“(...) Porém, a questão do Porto em relação a Lisboa não é mero provincianismo. Mais do que política ou economicamente, a tentação centralizadora da capital reflecte-se no proteccionismo endógeno dos lisboetas, sejam eles de nascimento ou adoptivos. E o paradigma é a televisão, matriz do pensamento colectivo destes tempos, feita essencialmente a partir de Lisboa e em função da vidinha lisboeta: os actores de Lisboa dão a conhecer os actores de Lisboa, os jornalistas de Lisboa dão a conhecer os jornalistas de Lisboa, os parasitas de Lisboa dão a conhecer os parasitas de Lisboa. Portugal assiste. E a revolta, mais visível entre os que são do Porto, devia estender-se a todo o país, sem desmerecimento da linda cidade que Lisboa é e das qualidades de quem lá vive.”]

E a impressão que dão de que toda a gente aqui fala com sotaque (não teria mal, mas também não devia ser sistemático motivo de chacota). E a ideia que transmitem de que nada se passa, numa cidade que, por exemplo, tem a maior universidade do país e a que mais publica, cientificamente, a nível internacional. E as vozes que se levantaram, tentando impedir (e falhando) que o Centro Português de Fotografia fosse instalado no Porto. E as ironias em relação à Casa da Música, que vai albergar aquela que é, reconhecidamente, a melhor orquestra sinfónica do país. E a estação privada de televisão que estabeleceu o objectivo editorial de destruir o clube mais representativo da cidade...

É dose. E se o Porto deve olhar-se ao espelho, questionar o que por si próprio pode fazer e fazê-lo, até pelas potencialidades que tem no seio da ampla região Norte de Portugal-Galiza, o resto não se apaga com duas tretas. Aquele orgulho de que falei no início, simbolizado pelo coração de D. Pedro, que integra o escudo da cidade, faz com que nem toda a comida que nos impingem passe pela garganta.

sexta-feira, julho 25, 2003

Granítico, linear, abrupto 

Hoje vale a pena ir ao Abrupto. Não é que eu estivesse muito virado para citá-lo, mas permito-me colocar aqui um aperitivo, com a vénia respectiva:

"(...)
"O Porto fez-me gostar das pessoas simples, integras, ainda não tocadas pela usura das palavras, ainda não ecléticas, ainda não dominadas pelo amor-próprio destrutivo, ainda não obcecadas pelas suas virtudes e pela sua facilidade, ainda não acumulando superfícies como quem acha que a vida é um longo espelho, ainda não distraídas, ainda não impacientes, ainda querendo mais alguma coisa com uma tenacidade de absoluta dedicação. Como o Porto é feito de granito em vez de calcário, selecciona a dureza, a persistência, o trabalho, as boas contas, as “contas à moda do Porto”e , já revelou na sua história, que pega em armas quando é preciso.
"(...)"

Escalada 

Finalmente, os técnicos aqui do estaminé resolveram o problema relacionado com o travessão nos endereços de sites, ou, falando informatiquês, do underscore nos URL. Parece que é proibido pelas normas vigentes, mas certos domínios, como é o caso do blogspot.com, permitem que seja utilizado naquilo a que podemos chamar, sem grande rigor, subdomínio, que é como quem diz o palavreado que escolhemos para pôr antes de blogspot.com, "cercodoporto" no caso desta página. Serve isto para dizer que já consigo aceder ao Bicho Escala-Estantes, pelo que posso dar conta da minha satisfação dupla, por tê-lo conseguido e pelo que lá encontrei.

quinta-feira, julho 24, 2003

Sem retirar o texto anterior, evidentemente, concedo ao Guerra e Pás o benefício da dúvida, depois de ler o último texto que escreveu.

Fina flor do entulho 

Olha que merda!... Há tempos, houve uma análise da treta feita pelo Guerra e Pás ao "Jornal de Notícias" (espero que o cavalheiro tenha percebido o que eu quis dizer com "devidamente fundamentada", num texto que está aí para trás; quis dizer estruturada em coerência com o preconceituoso e snob umbigocentralismo de alguns bem-pensantes lisboetas, incapazes de compreender como o diário de maior audiência do país é feito a 300 quilómetros de distância de certos tugúrios onde se criam factos políticos para inventar notícias, onde os jornalistas são amigalhaços das fontes, hoje estas, amanhã aquelas, conforme as conveniências que o vento consigo arraste). Agora, é o Flor de Obsessão, ao que tenho visto uma referência histórica da blogosfera lusa (o que os grupos constituídos conseguem inventar para valorizar a plateia/púlpito em que se constituem!...), que decide mandar uns bitaites a desancar no JN, com um tom de ironia pacóvia capaz de pôr uma preguiça de três dedos a trepar às árvores como se fosse um saguim. Espanta-se o Flor de Obsessão (mesmo não sendo anónimos, prefiro tratar os blogs pelos títulos) com a circunstância de um jornal ser veículo de notícias e questiona o alinhamento do JN, a propósito de uma secção intitulada Polícia. Um assalto a uma bomba de gasolina é tão notícia como a constituição europeia de Giscard d'Estaing, cada qual com a sua dimensão, cada qual com a sua importância. Um jornal generalista é-o porque destinado a todos os públicos, porque aberto a todos os temas. Porque dá notícias, pequenas e grandes, pretas e brancas, azuis e vermelhas, porque veicula opiniões, porque é um auxiliar dos leitores nas mais dispersas necessidades do quotidiano, seja ir a uma farmácia de serviço, seja comprar um carro, seja o diabo a quatro. Quando se destina um nicho de mercado, rico ou pobre, letrado ou popularucho, não passa disso mesmo, de um produto limitado. O JN é, não duvidem, um jornal generalista. Sabe ser um jornal generalista e nisso construiu uma solidez institucional assente em 116 anos de história. É um jornal do Porto, evidentemente, mas não se limita a noticiar o Porto. Quando o Flor de Obsessão diz que relata "feitos quotidianos dos guardas portuenses" não sabe o que diz, porque já sabia o que queria escrever antes de pensar no assunto. Quando o Guerra e Pás disse que, dos títulos que comentou, o JN é o que menos conhece, foi honesto. Se querem desancar, façam-no através de ideias, não de escárnio gratuito. Parem para pensar, uma vez por outra, abdiquem da fraseologia barroca e perfumada, sejam puros. Purifiquem, voluntariamente, o ar que se respira à vossa volta.

Viagra 

No Brasil, concretamente em Salvador, foi desmantelada uma quadrilha especializada em roubar Viagra das farmácias. Provavelmente vendiam-no aos desvalidos em vez de o distribuírem aos pobres. Se assim fizessem, o narcotráfico poderia ser confundido com o serviço público e a lenda tornar-se-ia mais duradoura que a de Robin Hood, com adultos a levarem os seus tios-avôs à estreia em casas de meninas.

TSF 

Com a devida vénia e, também, com o meu lamento, transcrevo aqui um texto do blog Memória de Peixe:

"Adeus TSF!
"Carlos Andrade pediu a demissão da TSF, ao que tudo indica, porque os planos da Administração para o futuro próximo da estação passa, entre outras coisas, pela redução do quadro de pessoal, que já estaria no limite do aceitável, no osso. José Fragoso aceitou substituir Andrade e ficar com o ónus do plano de despedimentos assumido por Henrique Granadeiro.
"Sabendo o que se passou no JN e no DN, vendo a transfiguração das publicações do grupo PT nestes últimos tempos, não me restam dúvidas: adeus TSF!
"Claro que a TSF não vai fechar, que em cada 30 minutos a Informação estará em antena, e por aí fora, mas a rádio-notícias que todos, todos, aprendemos a admirar, gostássemos ou não de a ouvir, acabou. Dentro de meio ano, se os prazos de Granadeiro estiverem certos, acabou a TSF.
"Lamento."

quarta-feira, julho 23, 2003

Tapete vermelho 

Fradique de Menezes, o presidente, regressou a S. Tomé para recuperar o poder que o eleitorado legitimamente lhe conferiu. À saída do avião, estendeu-se-lhe um tapete vermelho. No dia do golpe de Estado, um jornalista local queixava-se da miséria e dizia: "Não posso dizer que há fome no meu país. Chove muito e há sempre frutos silvestres para comer. Só os mais velhos é que têm maiores dificuldades".

Quantos tapetes vermelhos comprará o petróleo, em vez de conforto e alimento para os 170 mil habitantes do arquipélago?

Que desnorte! 

Se vou a Lisboa digo que vou a Lisboa, se vou à Covilhã é à Covilhã que digo que vou. Se me apetece uma posta de vitela n'"A Lareira" digo que vou a Mogadouro, se preferir a d'"O Artur" dirijo-me a Carviçais. E se vou abaixo de Braga é mesmo isso que digo. Não tenho pachorra para ouvir as informações de trânsito na rádio, porque há sempre alguém que diz "a Norte, há dificuldades no nó de Francos" ou quando ouço que Fulano de Tal é do Norte, quando, afinal de contas, é de S. João da Pesqueira. Ou que a gente do Norte é assim e assado, e misturam os hábitos de Miranda do Douro com os de Melgaço. Para mim, que estou no Porto, a auto-estrada do Norte é a que vai para Braga, para os de Braga a que vai para Valença, já que em direcção ao Porto seguem para sul. E a minha auto-estrada do Sul segue para Lisboa e prolonga-se para o Algarve. Parece-me simples, que diabo! E não pensem que isto é bairrismo, por amor de Deus... Julgo que é apenas uma questão de bom senso.

Aqui estamos 

Agradável, o debate sobre blogs na NTV, mas, infelizmente, sem tempo para ganhar ritmo. O cronómetro é indissociável dos media clássicos, seja pela hora de fecho de um jornal, que depende da operacionalidade das rotativas e das rotas de distribuição, seja pelo alinhamento das programações televisivas, que nos tira o pão da boca quando finalmente o vamos trincar. São essas limitações que justificam os blogs, espaços íntimos, mas não necessariamente recheados de intimidade, livres no tempo e no espaço, receptivos a tudo o que neles se queira colocar. E destinam-se a ser lidos, evidentemente, ou não fariam qualquer sentido. O prazer não está em clicar no botão “publish” mas em imaginar que alguém vai ler, uma pessoa, duas, um milhão. Vivemos motivados pela descoberta do outro, a partir do momento em que admitimos haver em cada um de nós um outro que os restantes tentarão descobrir. Os diários tornados públicos, aqui ou em papel, assumidos ou anónimos, não são muito mais do que um grito: “Estou aqui. Gostem ou não, mas apercebam-se da minha existência!”.

terça-feira, julho 22, 2003

Entrevistador entrevistado 

À medida que se assiste ao rejuvenescimento forçado das redacções, com a perda de memória que a saída dos mais experientes implica, vão-se deixando de ouvir com tanta frequência algumas máximas de outros tempos, umas delas chavões sem grande lógica, outras ensinamentos essenciais. Nesta última categoria, a das frases feitas que nos podem levar a fazer melhor, ou a deixar de acreditar cegamente na visão romântica que, enquanto jovens, tínhamos da profissão, há uma que reputo de essencial, mas que é cada vez mais desprezada: “Um jornalista só é notícia quando morre, e tem de ser muito bom, ou quando mata, e tem de ser muito mau”.

Por que me lembrei disto? Ontem, levei com dose dupla de Miguel Sousa Tavares, entrevistado, no “Jornal de Notícias”, e entrevistador de Mário Cláudio, na “Ler”. Cara e coroa, verso e reverso, Yin e Yang. Num caso deveria mostrar-se, no outro mostrar. O problema é que se mostra em ambas as situações. Enquanto o entrevistado lembra que, ao fazer a primeira reportagem, teve a noção de que ser jornalista era o destino para que estava talhado, o entrevistador chega ao ponto de registar por escrito os próprios risos, a meio das perguntas. Podemos admitir que são risos do entrevistado (sempre questionei a importância de registar risos, gargalhadas e pausas numa entrevista escrita...), mas, se é esse o caso, não está de modo algum explícito. E há mais. O entrevistador entra permanentemente em diálogo com o entrevistado, repartindo o protagonismo, e isso, mesmo que seja a fiel reprodução da conversa que um gravador registou, é um erro de palmatória. Uma entrevista a Mário Cláudio, apresentada como tal, passa a ser uma cavaqueira entre Miguel Sousa Tavares e Mário Cláudio, cada leitor entenderá uma forma mais interessante do que a outra. Um exemplo é quando o entrevistado pergunta ao entrevistador se é religioso, e este, no lugar que seria de uma pergunta, pespega um declarativo “Não, não sou”. Passo a transcrever duas passagens curiosas:

MC – (...)Veja, por exemplo, o caso do Saramago. Estou convencido de que oitenta por cento dos leitores do Saramago são pessoas que não passam da terceira página.
MST – Você está convencido. Eu quase que apostava.
MC – O próprio Lobo Antunes, você não gosta muito dele, mas eu gosto das coisas dele...
MST – Eu gosto do Lobo Antunes. Acho difícil, mas gosto muito.

(...)

MST – Acho extraordinário. Eu vejo-me como uma ampulheta. Classicamente. Não consigo ver-me de outra maneira.
MC – Acho que ainda é muito novo. Ainda não apanhou um coice. Sabe o que é? Provavelmente está a precisar disso.
MST – Eu ainda não apanhei um coice? [risos] Já apanhei vários.


E por aí fora. Se isto é uma entrevista, eu vou ali e já venho. Qualquer jornalista que faça entrevistas tem, nas conversas que grava, fragmentos do género, e o que há a fazer é cortá-los. A não ser que o entrevistador, inebriado pela sua própria popularidade, considere que o leitor prefere uma conversa. Se assim é, deve assumi-lo e ser mais participativo. Sobre os 80% que não lêem os livros de José Saramago, parece-me o exagero dos exageros, resultante de uma certa tendência que faz com que o êxito alheio afugente alguns literatos. Pode não se gostar das intervenções cívicas do nosso Nobel (ainda hei-de dizer algo sobre isto do Nobel), pode não se apreciar o estilo literário, podem os temas por ele romanceados não agradar a toda a gente. Mas parece-me difícil negar que ele sabe, como poucos, contar uma história, dominar o ritmo da narrativa, cativar o leitor. Quanto às três páginas, são mais que suficientes para interiorizar a idiossincrasia da pontuação e ler a prosa exactamente como se estivesse escrita nos moldes clássicos. Para se ver que os leitores lêem, de facto, basta ir a duas ou três aparições públicas de Saramago, geralmente causadoras de enchentes, e verificar que de todos os cantos da plateia saem perguntas esclarecidas.

segunda-feira, julho 21, 2003

O automóvel, quando conduzido na via pública, é um utensílio, tal como uma máquina de lavar roupa ou uma escova de dentes eléctrica. Por muito que sejamos fascinados pelas potentes máquinas ou pelo esplendoroso design, nunca poderemos deixar de ter isso em conta, e quem gosta de acelerar excessivamente poderá tirar uma licença desportiva, arranjar uns quantos patrocinadores e fazer o gosto ao pé em locais apropriados. Mais do que estatuto, os automóveis conferem aos condutores uma tremenda responsabilidade. Aqui deixo o mais recente balanço, tal como divulgado pela Agência Lusa, para o caso de alguém estar disposto a reflectir no assunto.

DESASTRES PORTUGAL ACIDENTES Acidentes de viação: 18 mortos e 806 feridos na semana passada - BT da GNR

Lisboa, 21 Jul (Lusa) - Dezoito mortos e 806 feridos, 66 dos quais em estado grave, é o balanço dos 2.227 acidentes rodoviários registados pelas patrulhas da Brigada de Trânsito (BT) da GNR na semana passada nas estradas do país.

De acordo com dados hoje divulgados, entre 14 de Julho (segunda-feira) e o domingo passado (20 de Julho) a BT contabilizou 3.163 infracções graves e 462 muito graves e detectou 650 condutores com taxa de álcool acima da lei (0,5 gramas/litro de sangue), 198 dos quais foram detidos por apresentarem valor igual ou superior a 1,20 gramas/litro.

Outros 55 condutores foram detidos por não possuírem habilitação legal para a condução de veículos automóveis ou de duas rodas.

Um total de 3.572 pessoas foi autuada por conduzir em excesso de velocidade e foram detectados 675 condutores e/ou passageiros de veículos automóveis que não faziam uso do cinto de segurança ou de sistema de retenção aprovado e obrigatório.

Foram ainda detectados 96 veículos de mercadorias com excesso de peso, tendo os militares da BT prestado auxílio a 1.896 condutores em dificuldades nas estradas.

Relativamente à semana anterior (entre 07 e 13 de Julho), o número de mortos subiu de 17 para 18, assim como o número total de feridos, que passou de 687 para 806. Também o número de feridos graves aumentou de 56 para 66.

Desde o início do ano já morreram nas estradas portuguesas 622 pessoas em resultado dos 59.545 acidentes registados.

Em declarações à agência Lusa, o Director-Geral de Viação, António Nunes, sublinhou que, a manter-se o comportamento dos portugueses relativamente à condução, este ano poderão morrer nas estradas 1.395 pessoas.

António Nunes explicou que este número é uma previsão estatística, que tem por base as mortes em consequência de acidentes rodoviários ocorridas no ano anterior.

Como anualmente o número de mortos nas estradas tem baixado cinco a seis por cento, a DGV, com base nessa estatística, prevê que este ano os óbitos possam atingir um total de 1.395, caso os portugueses não alterem os seus comportamentos na estrada e não acatem as recomendações das autoridades.

ARA.

Lusa/Fim

Asseio e boas maneiras 

Deliro. Delicio-me em absoluto com filmes e séries televisivas de aventuras que retratam a Idade Média. Há sempre gente com bons modos, gente asseada dentro de vestes apropriadas para a época, respeite-se o rigor dos figurinos. Há mulheres bonitas, com sorrisos nos olhos e pele leitosa. Dentes brancos e todos no sítio, Deus meu! Que espanto!... Quem vê tais produções nem se apercebe que os nossos medievos ancestrais eram os profetas da insalubridade, que viviam – o pouco tempo que viviam – como animais num curral. Ninguém imagina que as ruas eram esgotos a céu aberto, que a fome era corrente, que as epidemias varriam de morte tais tempos, especialmente nas sociedades urbanas. Que bom é ver as alvas dentições, as ruas limpas e as pessoas a circular pelas elas, indiferentes a todo o tipo de acção como os habitantes das metrópoles modernas. É ridículo, claro, mas divertido. E o asseio, coisa que ainda não é absolutamente consensual na nossa sociedade, só voltou a ser tido em conta pelos ocidentais no Renascimento, como se pode ver neste divertido excerto de um texto de Leonardo da Vinci, verdadeiro precursor de Paula Bobone:

“Há hábitos impróprios que um convidado à mesa do meu Amo não deve contrair.
“Convidado algum se deve sentar em cima da mesa, nem de costas voltadas para ela, nem ao colo de outro comensal.
“Nem se deve pôr as pernas em cima da mesa. Nem se deve tirar comida do prato do vizinho, sem primeiro lhe pedir autorização. Não se deve colocar no prato do vizinho partes desagradáveis ou semimastigadas da sua própria comida, sem primeiro lhe pedir autorização.
“Não se deve limpar a faca às vestes do vizinho. Nem usar a faca à mesa para trinchar. Não se deve limpar à mesa as armas. Não se deve retirar comida da mesa, colocando-a na bolsa ou na bota, para consumo ulterior.
“Não se deve dar dentadas nos frutos que se encontrem na fruteira, voltando depois a colocá-los lá.
“Não se deve emitir ruídos resfolegantes ou dar cotoveladas. Nem se deve meter o dedo no nariz ou no ouvido durante a conversação”.

sábado, julho 19, 2003

Descobertas 

Presumo que estivesse calor, eram quentes os setembros da infância, de um a trinta, mais coisa menos coisa, passados religiosamente na aldeia da família materna, espraiada em soalheira encosta da Beira Baixa. Sem motivo aparente, ou talvez por alguma insondável e fundamental razão, lembro-me bem de um dia em que cirandava pela horta de uma tia-avó – menino pequeno, lembro-me bem – maravilhado com a perfeição de sulcos cavados na terra, espantado com o perfeito alinhamento de ramagens verdes que me pareciam absolutamente inúteis. Sei lá porquê, estaria habituado a fazer o mesmo com tufos de erva, uma força qualquer fez-me agarrar essas ramagens, imagino que com as duas mãos, e roubá-las à terra. Saíram fácil, como um dente de leite que larga a gengiva depois de tanto abanar, e fiquei pasmado com o que vi, uma longa e avermelhada raiz que conhecia de incursões pelas cozinhas ou pelas mercearias. E assim aprendi de onde vinham as cenouras. Não sei por que me lembrei disto, ou talvez faça uma ideia. Talvez nós sejamos como cenouras, depositando aqui ramagens de palavras à espera de que alguém as puxe, à espera de que os outros, simplesmente por nos entreverem, dêem sentido àquilo que somos.

NTV, vassouradas e burradas 

A NTV foi uma televisão mal parida. Começou por ter à frente um homem que não percebia nada do assunto, apostou quase totalmente na inexperiência e pôs no ar uma série de ideias vagas, mal amadurecidas. Chamou-se-lhe, desde os primeiros dias de emissão, a Ninguém Te Vê, e assim era, como mostravam os estudos de audiências. Mas foi melhorando, passo a passo, deixando de ser um produto anódino. Melhorou devagar, claro, que essas coisas não evoluem de um dia para o outro, principalmente quando o dinheiro é pouco. Se não fosse preciso dinheiro e saber acumulado, a RTP não se teria distanciado muito das emissões experimentais da Feira Popular de Lisboa, há quarenta e tal anos, históricas mas primárias. Se não tivesse dinheiro, a SIC não se teria imposto tão rapidamente, se tivesse dinheiro a TVI talvez tivesse conseguido mais cedo o triunfo televisivo da indigência mental. A NTV estava longe de ser um canal de qualidade, mas talvez lá pudesse chegar um dia, o que era importante, por ser um canal do Porto, feito do Porto para todo o país. Era importante porque, como já aqui disse, é a televisão que, mais do que as leituras, que, infelizmente, não constituem fenómeno de massas, traça as mentalidades que se vão desenvolvendo neste país (e noutros, claro). E a televisão fecha-se, em grande escala, dentro de Lisboa, pelo que a existência de um canal do Porto para Portugal, sem bairrismos exacerbados, contribuiria para um alargamento de horizontes. A política de vassoura em riste de Morais Sarmento levou a uma reestruturação da NTV, que começa a ser visível e que tem boas e más coisas. Não é mau que tenham ido buscar gente fixada em Lisboa – o país é muito pequeno. Pelo contrário, ganha o canal e ganhamos nós, por exemplo com mais um programa sobre livros e leituras de Francisco José Viegas (ainda não vi, mas os precedentes deixam-me descansado) ou pelas entrevistas de Anabela Mota Ribeiro, que já não se assemelha à figura saltitante que orientava, há uns anos, conversas sobre sexualidade e afins (devo aqui dizer que não faço parte do lobby transmontano, se é que isso existe, e, a propósito, viva Trás-os-Montes!!!). Mal está, porém, que os noticiários sejam, basicamente, um repositório de trabalhos jornalísticos da RTP. Muito mal está que, sem qualquer esclarecimento visível no ecrã, ponham no ar repetições de programas da estação pública, que podem resultar em situações ridículas: hoje, 19 de Julho, este telespectador foi convidado a assistir, no passado dia 15, a uma conferência, em Lisboa, de Alexandre Quintanilha, director do Instituto de Biologia Molecular e Celular da Universidade do Porto. A quem tiver a máquina do tempo operacional, acrescento que a palestra é proferida na Gulbenkian...

sexta-feira, julho 18, 2003

Porto feliz 

O presidente da Câmara do Porto, que reside numa das zonas da cidade mais frequentadas por arrumadores de automóveis, insiste em que a campanha “Porto Feliz” é um êxito, tentando dar sentido a uma das poucas propostas eleitorais que apresentou. Logo a mais demagógica. Enquanto se queixa , por tudo e por nada, de a autarquia não ter dinheiro (usa o argumento, geralmente, para justificar o nada que faz), gasta verbas do orçamento em publicidade na televisão, justamente para mostrar que a dita campanha é um êxito. Evidentemente que não gosto dele.

Que se lixem os detractores do suposto rock progressivo! Enquanto escrevo outras coisas, ouço de uma ponta a outra "The Lamb Lies Down on Broadway" e o teclado quase consegue mexer-se sozinho!

Torga 

Há dias, trouxe a estas paragens (deverei chamar-lhes páginas?) Miguel Torga, e lembrei que o poeta, quando de visita à terra natal, conversava com um negrilho, a que dedicou versos. Falharam os versos, então, mas aqui os deixo agora, ainda a tempo de completar o que de algum modo ficou suspenso.

S. Martinho de Anta, 26 de Abril de 1954
A Um Negrilho

Na terra onde nasci há um só poeta.
Os meus versos são folhas dos seus ramos.
Quando chego de longe e conversamos,
É ele que me revela o mundo visitado.
Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,
E a luz do sol aceso ou apagado
É nos seus olhos que se vê pousada.

Esse poeta és tu, mestre da inquietação
Serena!
Tu, imortal avena
Que harmonizas o vento e adormeces o imenso
Redil de estrelas ao luar maninho.
Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso
Onde os pássaros e o tempo fazem ninho.

Guerra e Pás 

Não interessa se concordo ou não, mas ler a análise que o Guerra e Pás faz ao JN, devidamente fundamentada, ajuda a compreender o que significa ser do Porto, sentir o Porto e tentar fazer o Porto. Mostra o trabalho suplementar que isso implica, para se ser respeitado neste país tão pequeno e tão díspar.

Esclarecimento 

A blogosfera é um espaço de ímpetos, de impulsos. É a febre da partilha imediata de ideias, gostos, sensações... e também de disparates. E o tempo, claro, terá um dia de fazer assentar a poeira e burilar o estilo, refreando a impulsividade, não em demasia, e incrementando a inteligibilidade do que para aqui se despeja.

O arrazoado que acabaram de ler justifica-se com uma necessidade de esclarecer, e também de assumir culpas minhas, surgido ao reler os textos que vão ficando para trás neste blog. Ninguém me impeliu a fazê-lo nem recebi qualquer comentário a esse respeito, mas parece-me que exagerei ao escrever, sem desenvolvimentos subsequentes, a propósito da relação de Pedro Rolo Duarte com os blogs, “Romantismo não é com ele. Liberdade também não.”. Exagerei porque tais afirmações, secas como aqui se apresentam, não podem ser ditas a respeito de alguém que não se conhece e porque não esclareço que a palavra “liberdade” apenas é aplicada devido ao desdém com que o visado comenta os livres voos dos bloguistas. Mas mantenho que o “DNa” é um produto semijornalístico em que surge publicidade encapotada. Serve isso para menorizar o suplemento do “Diário de Notícias”? Não necessariamente. Ao escrever semijornalístico, digo apenas que nem tudo o que lá se publica é jornalismo, o que não invalida que o resto o seja e tenha qualidade. Publicidade encapotada não é jornalismo, enquadrando-se nessa faceta do “DNa”, por exemplo, produções de moda em que aparecem vários grandes planos de esféricos grandes rabos femininos, com o logotipo de uma marca de jeans bem à vista. Não é obra de jornalistas, o que seria uma violação da lei, mas também não é distinguido como espaço publicitário. Pedro Rolo Duarte é jornalista e director. Ser director de uma publicação de Imprensa não implica forçosamente que se seja jornalista, mas quando se é devia ter-se o cuidado de não pactuar com posturas mercantilistas, mesmo que elas surjam em fidelidade às tendências traçadas pela “Vanity Fair”, pela “Esquire” ou pela “The Face”.

Esclarecido isto, parece-me que Pedro Rolo Duarte, livre de ter as suas opiniões, umas vezes válidas, outras vezes menos, não será o mais credível autor de normas comportamentais para jornalistas, por muito que lhe pesem os genes ou o estatuto.

quinta-feira, julho 17, 2003

Pelo Apenas um pouco tarde fico a saber de um novo bloguista, Tito Couto, o homem que este ano traçou as rotas literárias para Penafiel. Desculpando os arroubos tauromáquicos, aqui fica a minha saudação de boas vindas.

Che 

Vários blogs estão em polvorosa com a decisão de um tribunal francês, que proíbe a organização Repórteres sem Fronteiras de utilizar um cartaz de protesto contra os delitos de opinião em Cuba e a prisão de jornalistas. Reproduzem o poster da polémica, uma grande foto de Che Guevara cujos direitos de autor não foram respeitados, e insinuam, nas entrelinhas, que o tribunal terá querido, simplesmente, travar a (justa, diga-se) campanha.

Tantas são as questões que isto levanta... Começarei pela mais óbvia. É assim tão difícil admitir que possa mesmo ter sido um questão de direitos de autor, ou de utilização não autorizada? Não devia ser. Pelo contrário, isso devia servir para estimular o debate sobre a propriedade intelectual, que muitos dos que circulam pela blogosfera saberão reconhecer como tema fulcral dos nossos tempos, particularmente por todos os problemas que levanta esta Internet onde despejamos pensamentos furtivos. Depois, há que ter algum pudor na interpretação que se faz da iconografia revolucionária. Che era um romântico, que queria espalhar a revolução por toda a América Latina (por todo o Mundo, se lá chegasse). Pode ter estado certo ou errado, mas não pode julgar-se que foi ele o ideólogo da oligarquia castrista. E mais: qualquer ditadura é abominável, mas não é razoável fazer da situação cubana o inferno na terra, porque tal aferição é muito pouco rigorosa e movida por critérios estritamente clubísticos (muito mais do que ideológicos).

Prende-se isto com a saloia divisão da blogosfera entre esquerda e direita, fiéis e infiéis, bons e maus, sendo uns ou outros bons ou maus, inteligentes ou boçais. Nem os comunistas comem criancinhas nem os de direita querem todos ver os comunistas fuzilados. E não estou eu aqui a pôr-me de um ou de outro lado, se é que isso tem alguma importância. O que importa é ter ideias, é ouvir as ideias dos outros, concordar ou discordar delas. Na blogosfera ou no mundo de carne e osso. E que, no fim da refrega, possamos todos ir beber umas cervejas ou uns copos de tinto, uns com os outros, mostrando-nos à altura do desafio que é ser gente, não mais do que uma eterna luta por ser-se civilizado.

Várias recomendações que tenho lido por aí, além de um texto sobre as caixas de comentários escrito por Oceanos, que me levou à visualização de comentários boçais de um ou outro frequentador, presumo que acidental (só assim se explica), do Textos de Contracapa, estimularam a minha curiosidade a respeito do blog Bicho Escala-Estantes. Sucede que, após uma gorda série de tentativas, continuo a não conseguir ter acesso ao dito blog. Ignoro se é maleita da maquinaria ou incompetência deste maquinista, ou se, afinal, existe algum problema que torna a visualização inacessível a todos. Se alguém me puder ajudar, agradeço antecipadamente.

A ideia de juntar o Porto a Vila Nova de Gaia, ou a Rio Tinto, ou até a Matosinhos, se bem que nos domínios de Narciso (minhoto de Barroselas) haja um mais arreigado sentimento de identidade própria, está a suscitar algum debate. Um leitor, J. Tavares de Moura, no meio de algum discurso anti-Terreiro do Paço que, como já dei a entender, me parece mais prejudicial do que benéfico (apesar de muitas vezes justificado), diz-me que "a massa crítica obtida (cerca de 600 mil habitantes) pela fusão, criaria importantes economias de escala, possibilitaria uma gestão mais racional dos recursos existentes e uma capacidade de investimento acrescida que poderá possibilitar uma melhor qualidade de vida para os que nela vivem".

E coloca uma dúvida importante: "Onde está a personalidade política do Porto com visão, credibilidade, capacidade de liderança e de gestão para pegar na ideia, lutar por ela e torná-la realidade?".

Para ajudar ao debate, aceitam-se, em qualquer ponto da blogosfera, propostas de solução para o enigma enunciado.

quarta-feira, julho 16, 2003

Como já me fez notar o Aviz, "a ética bloguista faz-se todos os dias". Assim sendo, e para respeitar a dinâmica da electrizante blogosfera, cá deixo os devidos agradecimentos a alguns comentários ou links para esta página, correndo o mais que evidente risco de deixar escapar um ou outro, o que a seu tempo será corrigido. Para já, aqui fica a minha gratidão ao Incongruências, ao Mar Salgado, ao Oceanos e ao Outro, eu.

terça-feira, julho 15, 2003

Sobre Luís Filipe Menezes (o homem assina com zê, façamos-lhe o gosto...), escreve o Terras do Nunca com enorme pertinência: "A minha dúvida (perdoem-me a imodéstia) não me parece coisa de somenos. Há uns anos (poucos...) Santana Lopes também era visto como um franco-atirador, um jogador da política, e agora querem levá-lo em ombros para Belém."

Diz-me o Mata-Mouros: "A ideia de juntar Porto e Gaia não é de LFM. Vários foram os seus defensores no último século. Aliás, algumas das freguesias de Gaia foram Porto até meados do século XIX."

Está dito. Agradece-se e acrescenta-se que, mesmo nos tempos que correm, LFM não está a ser propriamente original. O presidente da Associação Comercial do Porto, por exemplo, tem falado bastante do assunto.

Blogar ou estagnar, that is the question 

Está em curso uma campanha publicitária da AIND - Associação Portuguesa de Imprensa, destinada a incentivar o gosto dos jovens pela leitura, no caso pela leitura de jornais. "Só não sabes o que não lês" é a mensagem que a dita campanha pretende transmitir. E muito bem, admitamos, se, neste como em todos os casos, a leitura não for além das palavras, do sentido estrito delas e do estrito sentido que o encadeamento delas pode trazer. Contudo, uma leitura mais rigorosa tem de obedecer à observação das circunstâncias, ao enquadramento, às implicações de uma determinada frase, ao momento em que ela é proferida e por quem é ela proferida. Vai daí, ao vermos que quem promove a tal campanha em prol da leitura é uma associação empresarial, compreendemos que parte de uma mera lógica de negócio. O objectivo não é fazer com que as pessoas leiam muito, antes fazer com que comprem mais jornais.

Está isso mal? Não necessariamente. As coisas são como são, e a Imprensa é, admitamos, uma área de negócios como os supermercados, as salas de cinema ou as redes de telecomunicações. Mas é uma área de negócios sensível, pelo menos enquanto os jornalistas dignificarem a profissão que escolheram, honrando a missão a que se propõem e cumprindo as normas de deontologia a que devem saber que estão obrigados. É uma área sensível, porque joga com a formação de opiniões, o fortalecimento ou a debilitação de tendências, as formas como o poder é exercido, mas também porque a independência a que os jornalistas devem obrigar-se é um entrave à viciação do jogo. Contudo, é cada vez menos assim. Nestes tempos, fundar um jornal não resulta de impulsos de cidadania por parte de grupos de cidadãos, de cidadãos-jornalistas, mas sim de estratégias comerciais. E quem diz fundar um jornal diz também comprá-lo, explorá-lo, desmembrá-lo, reformulá-lo, normalizá-lo. Seja num editorial ou na forma como se noticia um roubo por esticão, escrever num jornal é, portanto, resistir à normalização da forma e do pensamento. É fazer jornalismo e não produzir conteúdos. E – não sejamos catastrofistas – é algo que os jornalistas portugueses continuam a fazer bem, quero dizer, fugir ao vazio da produção de conteúdos, palavra odiosa que, de cada vez que é admitida por um jornalista, significa lançar a toalha ao tapete.

Os blogs não são jornalismo. Mas são, neste tempo que temos, neste tempo que somos, uma nova forma de exercer cidadania. Um novo caminho, pessoal, que nos reporta ao romântico instinto de participação que, noutros tempos, levava as pessoas a fundar jornais. Efémeros e intermináveis, os blogs não roubam lugar à palavra impressa, à escrita com o grau de responsabilidade a que a profissão de informar obriga. Mas são outro rumo, um rumo livre, uma nova forma de participação e não o exercício de vaidade que alguns denunciam. Devo dizer que, bem mais do que a presença na blogosfera de gente conhecida, as opiniões preconceituosas de Pedro Rolo Duarte (de quem discordo em absoluto) contribuíram para a minha iniciação nesta aventura. Ainda por cima, porque tal militante antibloguista é, afinal de contas, não mais do que o editor de um produto semijornalístico em que se fazem experiências de design e publicidade encapotada. Pedro Rolo Duarte, para quem ler blogs é uma perda de tempo, abre o livro quando mostra que o mais importante é obedecer às tendências traçadas por revistas fashion, como a “Esquire” ou a “Vanity Fair”. Romantismo não é com ele. Liberdade também não.

domingo, julho 13, 2003

Grande Porto 

A ideia de juntar Porto e Vila Nova de Gaia numa só cidade é, diga-se, mero cumprimento de uma formalidade, já que ambas - as gentes de ambas, entenda-se - partilham desde sempre vivências culturais, económicas, sociais. A cidade, enquanto elemento vivo, não corresponde à divisão política que o rio (o Douro, não falemos aqui do outro) determina, pelo que a fusão é perfeitamente exequível e até desejável. E o alargamento do Porto até faria sentido para outras direcções, atendendo à continuidade urbana. Assim podem crescer as cidades, e basta recuar cerca de cem anos para lembrar que a Foz do Douro não fazia parte do Porto, onde entretanto se integrou com toda a naturalidade.

Quando Luís Filipe Menezes fala no assunto, porém, parece haver uma dose de demagogia que retira brilho ao projecto. Mais do que um visionário, Menezes é ambicioso, o que nem é defeito, excepto se o que está em causa é a ambição pelo poder, se o que determina as propostas mais não é do que o assalto a um cargo. Mas a ideia merece ser intensamente debatida, não apenas a nível local mas no âmbito de uma extensa revisão administrativa de que este país evidentemente necessita, por uma série de problemas que a criação de novos concelhos para cumprir promessas eleitorais vai agravando. A fusão do Porto com Gaia demonstraria que assim tem de ser, pois não faz sentido colar, pura e simplesmente, um município urbano a outro onde subsistem muitas freguesias rurais. Se idealizo a fusão das cidades é a fusão das cidades que idealizo, para que o novo burgo possa ser gerido e planeado por uma lógica urbana, evitando prejudicar e ser prejudicado por freguesias como Crestuma, Olival ou Perosinho, entre tantas outras. Perder-se-iam eleitores e população para a grande metrópole, é certo, mas, mesmo assim, ela ganharia um enorme peso suplementar, que tornaria gritantes as muitas carências estruturais ainda existentes.


P.S. - Nunca morri de amores por LFM. Pelo contrário, nunca me despertou ponta de simpatia. Mas é curioso ver como o homem é um lorde ao pé dos presidentes da Distrital e da Concelhia portuenses do partido a que pertence. E do Rio, e do Valentim...

Coisas técnicas 

"Coimbra, 23 de Maio de 1942 - No meio desta desgraçada guerra, toda aço, ferro, bombas, e coisas técnicas onde entra tudo menos uma instintiva e sanguínea vontade de combater, um lampejo de esperança: a notícia nos jornais de que na Austrália, entre as tropas americanas, existe um homem, um índio, que ouve o som dos aviões inimigos antes do aparelho de escuta."

Miguel Torga nunca chamaria ao seu Diário blog, esta coisa em que coincidimos, levados na torrente de um avanço tecnológico que nunca compreenderemos plenamente. Torga, quando subia a S. Martinho de Anta para beber das fragas e do seu Doiro, conversava com o imponente negrilho que protegia, num forte abraço de sombra, a casa das origens. Dedicou-lhe versos, ao negrilho, e impressionou-se com o tal soldado índio de ouvidos de tísico, reminiscência de fé numa espécie humana que via atolada no negrume.

Como evoluíram, de então para cá, as "coisas técnicas"! As más. E como conseguiremos nós descobrir um "lampejo de esperança" à medida destes tempos?

Ordem divina 

De uma excelente série de textí­culos (ora digam lá se não é melhor do que "posts"!...) lidos no Apenas um pouco tarde, destaco aquele que alude a várias enormidades saídas da boca de Nuno da Câmara Pereira e veiculadas pelo "24 Horas", a propósito de touros. Transcrevo do blog: "Segundo o fadista Nuno da Câmara Pereira, citado pelo "24 Horas" de ontem [anteontem], os homens existem para servir a Deus e os animais existem para servir o homem".

Semelhante aleivosia, sem tirar nem pôr, foi-me dita, há alguns anos, por um pároco de aldeia, caçador, que dormia com a caçadeira carregada à  cabeceira, não fosse entrar-lhe pela casa algum bicho homem com intenções cleptómanas. Quão afortunados os que compreendem com tal acerto a Ordem traçada pelo Criador. Tivesse eu essa sorte, não me atormentaria com os toureiros glorificados por infligirem sofrimento, com os animais abandonados no Verão, com os cães que os caçadores abatem nas serranias, depois de os julgarem imprestáveis para a prática de tiro ao alvo vivo... Quanto a Deus, que supervisiona directamente as pessoas, também estamos conversados, habitantes que somos de um Mundo feito de iniquidades, carnificinas e gritantes abusos de poder.

Jaquinzinhos 

Não me satisfaz a resposta do Jaquinzinhos. Satisfazer-me-iam os jaquinzinhos propriamente ditos, com arroz de feijão ou de tomate, mas devo reconhecer que, em matéria de petiscos, esta região do país de onde escrevo tem muito a aprender (detesto usar os pontos cardeais, que pressupõem, para a rosa dos ventos nacional, um centro que nunca foi referendado). A carreira troglodita de Cavaco não caberia aqui, de Macário bastará referir a obscena (pelos termos usados, pela sobranceria...) cruzada antitabagista que protagonizou. São meros exemplo de trogloditismo, usados para demonstrar a deselegância da terminologia. E foi essa deselegância que me irritou, não a crítica ao repugnante caciquismo autárquico (Narciso, Rio, Menezes, Valentim e tantos outros são o vergonhoso paradigma da nossa débil e embrionária democracia).

O problema, ali, é uma questão de tom. Talvez possa parecer mania da perseguição (sentimento serôdio que tento evitar), mas a verdade é que o texto do Jaquinzinhos não foi, propriamente, um estudo do fenómeno à escala nacional. Reportou-se a uma zona muito específica de Portugal e, mesmo que não fosse essa a intenção, confundiu-se com certas vozes que, sistematicamente, desdenham uma realidade que desconhecem. Isso é que incomoda.

sábado, julho 12, 2003

O Memória de Peixe volta às revelações sobre Agostinho Branquinho, administrador ecléctico e opinador desenfreado. Vale a pena seguir o folhetim.

Numa outra janela, mantenho aberto o Outro, eu. Só por causa do magnífico poder hipnótico da guitarra de Pat Metheny, que nos remete para as excelentes entrevistas que o outro, ele, conduz na TSF. Um blog obrigatório, se é que a um novato destas coisas é permitido fazer recomendações.

E foi o Outro, eu quem chamou a atenção para uma nota do Jaquinzinhos, a propósito do Porto, que passo a transcrever: "Pobre cidade, cercada por tanto trogloditismo".

Não é simpático, não é civilizado, não é inteligente. O Jaquinzinhos, para quem não saiba, é do Algarve, e, como tudo o que é terra tem os seus trogloditas, permito-me lembrar, a título de exemplo, Cavaco Silva ou Macário Correia.

E lembro-me, como sucedeu um destes dias, do manifesto de Álvaro de Campos aos estudantes de Lisboa: Ó Jaquinzinhos: nadem, deixem-se fritar e calem-se!...

Reverências 

Escreve o Terras do Nunca, a propósito de um artigo de Emídio Rangel, que "O jornalismo de investigação em Portugal, excepto raríssimas excepções, é jornalismo orientado pelas fontes. Divulga-se, consciente ou inconscientemente, apenas o que elas querem". Mal, aqui, só está quando ele diz "orientado" e "apenas o que elas querem", dando a entender que todas as fontes são pessoas (também há fontes bibliográficas, documentais...) e que os jornalistas são quase sermpre manietados por essa cambada de oportunistas que instrumentalizam a seu bel-prazer a Comunicação Social. Porque o resto é rigorosamente verdadeiro. Escrever em jornais depende sempre de fontes, sejam estas quais forem, pois são as fontes a fronteira entre o jornalismo e a ficção.

Evidentemente que, antes do texto de Rangel, o Terras do Nunca já deve ter lido, por exemplo, "Os novos cães de guarda", de Serge Halimi, redactor do "Le Monde Diplomatique", obra em que o "Jornalismo de Reverência" (prática comum no país de salamaleques que é a França) é devidamente analisado. Saberá ele muito bem que o "Jornalismo pé de microfone" nasce, em grande parte, da exacerbada produtividade das inúmeras escolas de jornalismo, porque os jovens candidatos à entrada num restrito mercado de trabalho, motivados pela expectativa de progressão profissional, prestam-se a determinados papéis de que as hierarquias os incumbem, desprovidos que são da capacidade de resistência ética que só a permanência numa redacção lhes proporcionará. E imaginará também que, mais do que pelos redactores que consultam fontes, a "reverência" pode ser exercida, subtilmente, por alguns editorialistas de "cu sentado".

Quando morre uma criança, as ideias perdem sentido, tornam-se disparatadas e mais ocas do que realmente são. Deus não põe a mão por baixo.

sexta-feira, julho 11, 2003

O Barcelona está mesmo a tentar contratar o Deco. Se eu não estivesse com tanta fome, talvez fosse notícia para me tirar o apetite.

Calor glacial 

O contingente dinamarquês estacionado no Iraque sofreu enormes dificuldades com a adaptação ao clima. Não tinham carros blindados, faltava-lhes ar condicionado nos carros, as fardas eram impróprias para o calor, os coletes à prova de balas não eram à medida dos soldados... Enfim, viam-se à rasca para evoluir na torradeira para onde os mandaram e, evidentemente, reclamaram à terra-mãe o envio de meios adequados: receberam um limpa-neves e vários outros equipamentos adequados à invernia nórdica. Até lhes mandaram um carregamento de sal, usado nas estradas quando há formação de gelo.

Afinal, coisas destas não acontecem só em Portugal! Mas o insólito caso remete-nos, sem grande esforço, para o que se passou com a força da GNR destacada para o Iraque, também a braços com a falta de material. Para a história ser perfeita, só faltava que Figueiredo Lopes e Paulo Portas, numa iniciativa conjunta, mandassem para lá, a título excepcional, os submarinos que tanta falta fazem para proteger dos invasores a lusa nação.

E foi o Pauleta para o Paris St. Germain. Está visto que o Pinto da Costa não lê este blog...

Corrida RTP 

Até que ponto é serviço público a RTP promover e dar nome a um evento tauromáquico? Não quero perder-me em considerandos sobre a barbaridade de tal prática, sobre o mórbido desejo de ver sangue e aplaudir violência, sobre a justificação da crueldade com a tradição, sobre posturas ridículas como o palavreado técnico de criticar (acusando-o de malvadez) um touro ferido que deu valentes cornadas num forcado. Mas volto a perguntar: até que ponto é isso serviço público?

Morais Sarmento, conceituado performer da nobre arte de dar e levar umas murraças, é capaz de achar que sim. Que é serviço público. Eu acho que não.

Memória de Peixe 

Ainda sobre o inenarrável Branquinho, mais alguns esclarecimentos para, justamente, tornar mais clara a triste narrativa de algumas coisas que se vão passando no Porto. São-nos dados pelo Memória de Peixe, um novo blog feito da Invicta para o mundo civilizado, cujo aparecimento aqui saúdo.

Pretinho no Branquinho 

Chama-se Agostinho Branquinho e apresenta-se como administrador de empresas. O último tacho que arranjou é, como muitos saberão, no Conselho de Administração da Casa da Música, onde é tido como o homem de mão de Rui Rio, sobre o qual, sem estarmos em definitivo conversados, já aqui se disseram algumas coisas.

Ora, nos intervalos de gerir empresas (lembrei-me aqui de um célebre manifesto de Álvaro de Campos), o citado Branquinho convence-se de que tem opiniões e publica-as (hélas!) no Jornal de Notícias. O público tem sucessivas exclamações de impaciência (novamente Pessoa revisited). Hoje mesmo, moralista e moralizador, estende-se em considerandos sobre deontologia, intercalados com pinceladas de gabarolice. E é sobre deontologia nos jornais que escreve, desfiando um rol de vulgaridades que exasperam qualquer jornalista ciente da importância e do elevado grau de responsabilidade que a profissão acarreta.

Dá-se o caso de o tal administrador de empresas, na sua prosa pejada de fanfarronice, apresentar como virtude curricular a actividade em "marketing e comunicação", que, digamos, são exercidas à  margem de quaisquer normas deontológicas. E sucede que é recorrente ele assumir-se como a voz do dono, em especial para dar alfinetadas patéticas nos jornais, porque o dono, bem sabemos, não se dá bem com críticas e gosta de ter razão até às últimas e mais disparatadas consequências.

Foi este homem posto na Casa da Música, o que não augura nada de bom. Ao menos, temos a satisfação de saber que ele vai suar em bica enquanto sobe e desce escadas, porque o outro não teve oportunidade de construir o tal elevador que ia inviabilizar salas de ensaios, estúdios e camarins. Este homem, e outros como ele, não pode ter lugar destacado numa cidade que precisa de avançar já para o cosmopolitismo que merece.

Credibilidade 

Ao cuidado dos estudiosos do genoma humano:

António Pires de Lima (filho) é igual a António Pires de Lima (pai). Porque são praticamente fotocópias, no que à fisionomia diz respeito, e ainda porque ambos tendem a ser um pouco para o desbocado.

Ao chegar a casa, ontem, liguei o televisor na SIC Notícias e dei de caras com o dirigente do CDS-PP, esclareça-se que é o filho, a soltar das cordas vocais a seguinte pérola: "A dra. Manuela Ferreira Leite é, neste Governo, o maior símbolo, em termos de credibilidade".

Caso tenha assistido, Paulo Portas, que se julgará o mais credível de todos, deve ter sentido uma pontada no fígado, que rapidamente transitou para o céu da boca e desceu súbito para as plantas dos pés, onde provocou uma crise de urticária apenas curável com doses reforçadas de pílulas de alho. Quem tem amigos assim...

Saudaçom retribuída 

Cá deixo a deBida reBerência ao Apenas um pouco tarde, que a este canto fez referência.

Como ele diz, coincidimos no burgo, na coloração futebolística e na azia que nos provoca o mais sensaborão de todos os autarcas.

E, claro, aqui se recomenda aos eventuais leitores que sigam os links acima, um para usufruir das ideias do citado blog, outro para que possam fazer um print da fotografia, que deverão pôr no açucareiro para espantar as formigas.

quinta-feira, julho 10, 2003

Aviz 

E não saio eu disto, até porque o dia não esteve de feição para os bloganços (ai os neologismos que saem desta vida internáutica!...). Mas faço-o com enorme gosto. Agora, foi o Aviz que se lembrou de fazer um link para este blog. Por ser quem é, o Aviz não precisa de recomendações, mas é uma honra ser recomendado por ele. E aqui fica o agradecimento, com as devidas saudações dragonianas!

Grand Jacques 

Brel instalou-se no Terras do Nunca, reforçando a nossa capacidade de sonhar. Compreende-se que assim seja, num blog [resisto, para já, a escrever blogue, como em tempos resisti a Oxónia, Cantabrígida ou Glásgua - Oxford, Cambridge ou Glasgow (toma, Celtic, que já almoçaste!) - mas talvez venha a adaptar-me, pois já me obrigam a grafar ateliê e termos quejandos] que nos remete para a fantasia, para Peter Pan ou para os meninos perdidos, para a fada Sininho, que nos põe a voar com pensamentos felizes, ou para o Capitão Gancho, o vilão que dá sentido àquilo tudo. Talvez essa magia que transborda do cantautor (outra palavra que não me cai lá muito bem) belga tenha motivado a referência elogiosa do Terras do Nunca e o link que aqui agradeço, envergonhado pelas palavras de apreço a que não estou habituado, caloiro que sou nas cortesias da blogosfera.

quarta-feira, julho 09, 2003

Só porque o Terras do Nunca me surpreendeu com as palavras de Jacques Brel, e está a surpresa na imagem que criamos das pessoas, ou que elas nos transmitem pelas normais vias mediáticas, só por causa disso despejo aqui os quixotescos versos de Jo Darion, traduzidos para Francês e magnificamente cantados pelo próprio Brel. Ou de como nos transcendemos através das palavras dos outros.


La quête

Rêver un impossible rêve
Porter le chagrin des départs
Brûler d'une possible fièvre
Partir où personne ne part
Aimer jusqu'à la déchirure
Aimer même trop, même mal
Tenter sans force et sans armure
D'atteindre l'inaccessible étoile.

Telle est ma quête
Suivre l'étoile
Peu importe ma chance
Peu m'importe le temps
Où ma désespérance
Et puis lutter toujours
Sans question ni repos
Se damner pour l'or d'un mot d'amour .
Je ne sais si je s'rai ce héros
Mais mon coeur s'rait tranquille
Et les villes s'éclabouss'raient de bleu
Parce qu'un malheureux

Brûle encore bien qu'ayant tout brûlé
Brûle encore, même trop, même mal
Pour atteindre à s'en écarteler
Pour atteindre l'inaccessible étoile.

terça-feira, julho 08, 2003

"Inesquecível!... mas que ninguém nos diga irrepetível!"

O mote é a frase com que José Mourinho, comandante-em-chefe das tropas dragonianas, encerra, no seu livro-entrevista, o capítulo dedicado à vitória do F. C. Porto na Taça UEFA. Que não sejam irrepetíveis os cigarros acesos uns nos outros, o cachecol em torno do pescoço, as pernas irrequietas num vaivém frenético e os olhos fixos no ecrã, em pleno local de trabalho, antes tivesse sido em Sevilha. Que não seja irrepetível o golo de Derlei que fez da angústia festa. Que não seja irrepetível o triunfo que vivemos como nosso sem nele termos participado, espantosa massificação da glória que o futebol proporciona. Que não sejam irrepetíveis os sorrisos na rua, os gritos, os abraços encharcados em cerveja e lágrimas. Que não sejam irrepetíveis as expressões enraivecidas dos amigos benfiquistas ao som das nossas expressões de gozo, esbanjadas enquanto a maré está de feição e os ventos não mudam de rumo, pois outro dia seremos nós os amuados, para isso servem amigos de diferentes fés clubísticas. Que não seja irrepetível a alegria, venha ela de onde vier. Que não seja irrepetível a esperança.

E que nunca se repita o papelaço dos senhores deputados, que queriam chamar serviço político ao prazer de viver aquilo tudo.

segunda-feira, julho 07, 2003

Berlusconi 

A uma certa distância, um televisor sem som mostra um debate qualquer, na Assembleia da República. Ver os oradores, circunstancialmente calados por obra do telecomando, a gesticular freneticamente, saracoteando as gravatas e congelando a austeridade dos rostos, faz-me lembrar um exercício que fazia nas discotecas: imaginar que a música desaparecia e as gentes, autênticos shakers misturando a diversidade de beberagens depositada nos respectivos buchos, continuavam a produzir inauditos cocktails. Uns e outros, deputados e dançarinos, são cobertos de ridículo pelo manto do silêncio.

Por pouca pachorra que haja para ouvir os deputados ou a dance music, não devemos calá-los. Se a música, enquanto música, dispensa explicações, por mais atrozes que possamos considerar determinadas sonoridades, os deputados poderão suscitar algumas dúvidas. Mas não devemos amordaçá-los, pois são a nossa extensão no seio da coisa pública, mesmo que isso tantas e tantas vezes não corresponda à verdade.

Tais considerandos, aqui despejados enquanto espero que um bando de galfarros esteja a postos para ir jantar, remetem-me para o episódio de Estrasburgo. Pensando a quente, poderia ficar-me pela náusea que a simples existência de Berlusconi provoca. A frio, a náusea continua lá ("ai, que não posso!, como no anúncio de água com gás que está na berra), mas parece-me importante chamar a atenção para outras circunstâncias, particularmente em função da ultracomentada "reportagem" produzida por Abrupto, que, sem o reconhecer e negando-o, tentou dourar a pílula ao criticar o comportamento provocatório dos parlamentares de esquerda. Condenando a resposta de Berlusconi, enquadrava-a no comportamento acintoso dos provocadores, que surgia como o descrédito total da instituição parlamentar...

Mas a lógica parlamentar é isso. De uma maneira ou de outra, os deputados de todos os quadrantes ultrapassam limites e tornam a discussão viva, acalorada e, por tudo isso, mais proícua, pois muito ficaria por dizer num oceano de formalidades cumpridas à risca. É evidente que a chamada de atenção de Abrupto para os incompletos relatos dos media (que usa e dos quais faz parte, em várias vertentes...), posteriormente confirmada por Aviz e por outros que não merecem crédito, é evidente, dizia, que essa chamada de atenção é importante. Mas ficam por dizer coisas em que até um ignorante em matéria de regimentos parlamentares repara: as manifestações de deputados para além do uso da palavra são comuns em todos os parlamentos (ainda outro dia se exibiam panfletos na Câmara dos Deputados, em Espanha); e Berlusconi não é membro do Parlamento Europeu e, enquanto visitante, não tem o direito de desrespeitar de maneira tão atroz os parlamentares (há tempos, na nossa Assembleia da República, Mota Amaral foi muito duro com o seu correligionário Durão Barroso, impedindo-o de fazer comentários de determinada í­ndole à bancada comunista).

Quer isto dizer que Berlusconi não pode ver o seu comportamento asqueroso branqueado. De maneira nenhuma. E que não venham dizer que a legitimidade democrática justifica tudo. Não comparo Berlusconi a Hitler, pois o ditador nazi terá sempre de ocupar um lugar isolado na galeria dos horrores, mas a verdade (isto é banal, bem sei) é que também Hitler foi eleito...

"(ser juiz)...também é uma vocação, como ser médico ou jornalista, porque há um grau elevado de compromisso pessoal e de vocação para o serviço público. Quem vai para juiz para ganhar dinheiro vai ficar frustrado rapidamente..."

No meio de tanta coisa interessante dita pelo juiz Baltasar Garzón, na entrevista que deu à revista "Única", do "Expresso", destaco a pequena laracha em epígrafe. Ó Baltasar: falar de dinheiro e meter jornalistas à mistura com médicos e juízes é o mesmo que falar em armas de destruição maciça e pôr o Iraque ao mesmo nível dos Estados Unidos.

Pobrezinhos e felizes só nos filmes-propaganda do Estado Novo (pátios das cantigas, canções de Lisboa, pais tiranos...), tão divertidos e inocentes, mas, ao mesmo tempo, estratégicos e castradores.

Prioridades educativas 

Há mais um estudo a mostrar que Portugal tem poucos licenciados e que não se adivinha uma clara melhoria, além de que a maioria dos jovens opta por cursos sem saídas profissionais, designadamente em áreas como as ciências da educação ou as humanidades. Um entrave ao progresso, como diria Cavaco, ou à produtividade, como gosta de referir Durão.

Estes estudos, que em circunstâncias normais poderiam revelar-se extremamente úteis, assumem, no caso português, alguma perversidade. Por um lado, contribuem para uma parola imagem de menoridade dos cursos em áreas do saber como as letras, as ciências sociais ou as artes, reais montras do progresso de um povo. Por outro, levam os políticos a concentrar esforços no combate artificial ao insucesso escolar, especialmente no Ensino Básico, em que saber deixou, em muitos casos, de ser a condição primeira para transitar de ano (os próprios professores reconhecem que, em muitos casos, “chumbar” um aluno significa uma carga de problemas). Mas, para os políticos imediatistas e eleitoralistas que temos, não há como uma boa estatística, mesmo que baseada na implementação de um confrangedor facilitismo.

A chave está em criar mecanismos para que a ciência seja realmente atractiva (por que cortaram as dotações orçamentais do Ciência Viva???), o segredo está em mostrar aos jovens que a matemática pode ser divertida, é útil e tem significado. Como ainda não conseguiram fazer isso, os alunos fogem em debandada, perdem-se vocações e ganham-se muitos professores no desemprego.

sexta-feira, julho 04, 2003

E alguém me consegue explicar por que é que o Pauleta ainda não é jogador do F. C. Porto? Será por o papa Jorge Nuno andar empenhadíssimo na sua vida social, deliciando as revistas cor-de-rosa e o jornal arco-íris que é o "24 Horas" (ver a primeira página de hoje)?...

Essa é, realmente, uma questão importante. O futebol é importante, porquanto nos momentos em que lhe damos importância, de alma e coração, nada mais importa. Ilusoriamente, o lodaçal em que o mundo se vai afundando perde importância. É mentira, já sabemos, mas o peso de ter os pés sempre assentes no chão é demasiado opressivo e temos de saber como nos libertarmos dele uma vez por outra.

Centro do centro do centro 

A questão pôs-se em conversa com um amigo, há alguns anos radicado em Lisboa, e parece-me essencial. Passam a afirmação e engrandecimento do Porto pela rivalidade com Lisboa, ou, melhor, pela escolha de Lisboa como termo de comparação? Dizia ele que não senhor, que o Porto terá de se afirmar apenas e só pela vontade de afirmação, sem se preocupar com Lisboa, pois Lisboa não se preocupa com o Porto. E a conversa estendia-se, nos mesmo termos, para a forma como Portugal encara o galopante desenvolvimento de Espanha e a forma como os vizinhos ibéricos nos vão colonizando pela via económica. O problema está na incapacidade de se transcenderem que os portugueses, em geral, demonstram, está na incipiente capacidade empreendedora do povo que somos. E nunca poderá resolver-se exclusivamente pela via legislativa, como alguns políticos imaginam, pois exige uma revolução nas mentalidades, algo que demorará gerações e que nos falta desde os primórdios da nacionalidade.

Porém, a questão do Porto em relação a Lisboa não é mero provincianismo. Mais do que política ou economicamente, a tentação centralizadora da capital reflecte-se no proteccionismo endógeno dos lisboetas, sejam eles de nascimento ou adoptivos. E o paradigma é a televisão, matriz do pensamento colectivo destes tempos, feita essencialmente a partir de Lisboa e em função da vidinha lisboeta: os actores de Lisboa dão a conhecer os actores de Lisboa, os jornalistas de Lisboa dão a conhecer os jornalistas de Lisboa, os parasitas de Lisboa dão a conhecer os parasitas de Lisboa. Portugal assiste. E a revolta, mais visível entre os que são do Porto, devia estender-se a todo o país, sem desmerecimento da linda cidade que Lisboa é e das qualidades de quem lá vive.

quinta-feira, julho 03, 2003

Valsa em dó sustenido menor, op. 64 n.º 2, de Fryderyk Chopin. Directamente do Paraíso.

De uma penada, ao pôr os auriculares, calei os Barrosos e os Berlusconis que discursavam para fora do televisor. Se a música faz as vacas dar mais leite, por que não há-de servir para calar as vozes estridentes que se ouvem por aí?

Crueldades globais 

Às doenças que causam 90% da mortalidade, a nível mundial, correspondem 10% do total de pesquisas médicas realizadas internacionalmente. Quem quer saber da tripanossomíase? É algo que ataca lá para o Terceiro Mundo, não chega aos homens civilizados que gerem a indústria farmacêutica e, apesar de os desgraçados morrerem que nem tordos, essa chatice de serem pobres faz com que a busca de novos medicamentos não seja lucrativa. Deixá-los andar, portanto...

No mundo dito civilizado, há quem leia notícias com este teor e continue a achar que a globalização que nos andam a impingir é uma grande coisa. Suponho que foram picados no cérebro por algum mosquito, que lhes inoculou uma forma desconhecida de malária, caracterizada pela transformação de neurónios em rolhas de cortiça.

Rio sem caudal 

Rui Rio pensa pequeno, faz pequeno e fala grande, isto é, de alto. Assim fez, do alto do seu cadeirão presidencial, quando exigiu que o pianista Pedro Burmester se demitisse da Administração da Casa da Música. Fê-lo, ao que parece, com a autoridade de accionista, mas esqueceu-se de que o accionista é o cadeirão presidencial e não o presidente, a Câmara Municipal e não o executivo camarário, apesar de legitimamente eleito, com maior ou menor impulso da sorte.

Mesmo antes de ser afogado em foguetes por Luís Filipe Menezes, este obcecado pela Câmara do Porto desde que teve receio de a ela se candidatar, já que as sondagens o davam como derrotado em confronto com Fernando Gomes, mesmo antes disso, dizíamos, Rio tinha levado um estaladão – nem mais – do presidente da República, que sublinhou o carácter nacional do projecto Casa da Música, preveniu para os perigos de partidarizar o processo e apelou à necessidade de manter Pedro Burmester.

Rui Rio não compreende que quem está à frente de um projecto artístico não tem, necessariamente de imitar a voz do dono (“His master’s voice”, para usar uma expressão histórica da indústria dicográfica). Mais, Rui Rio não percebe que não é dono de coisa nenhuma. Mais ainda, Rui Rio não tem grandeza moral para aceitar críticas, escudando-se desmesuradamente, como é apanágio da actual classe dirigente portuguesa, nos sacrossantos desígnios entregues pelo eleitorado. Pena é que não tenha, porque, na realidade, está exclusivamente preocupado com questiúnculas que “reduzem o Porto a uma aldeia”, tal como disse Burmester.

Artista e responsável por um projecto artístico, Burmester não tem de estar preocupado com questões externas à sua missão. É a essa missão que deve ser fiel, não a esta ou àquela conjuntura política. Não se pode esperar dele a mesma postura assumida por um gestor que tão depressa tem nas mãos camiões TIR como a possibilidade de catapultar uma cidade para padrões culturais de que uma longa ausência de iniciativa a têm afastado. E deverá, evidentemente, manter níveis de responsabilidade semelhantes aos que tinha, pois um projecto desta envergadura não se coaduna com sacudidelas e danças de cadeiras, tão típicas da gestão política à portuguesa.

O gestor de camiões já foi para a rua, e Rui Rio terá compreendido, por estas e por outras, que não terá direito a segundo mandato. Ele é tudo o que o presidente de uma câmara como a do Porto não deve ser. É a ausência de ambição, a personificação da pequenez. É quezilento, ressabiado, irritadiço. Não faz, tenta impedir que façam. Não sonha. Não vê para além do livro do deve e haver. É razoável em contas de merceeiro, mas não existe enquanto líder local. Ganhou as eleições por acaso e nunca compreendeu o que a realidade lhe exigia. Nunca a História lhe dará razão, pois nela não tem lugar.

Preâmbulo 

Não cabe aqui uma declaração de princípios, um desfiar de intenções inventadas em cima da hora. Este primeiro "post" - deverei dizer nota? deverei dizer entrada? - não é mais do que um teste. Mera apalpadela de um terreno virtual no qual me aventuro, sem mapa, bússola ou sextante, sob um céu encoberto que esconde o posicionamento das estrelas.

Assim sendo, cá vai!

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