quinta-feira, julho 31, 2003
As forças todas do universo,
Em cuja reflexão emotiva e sacudida
Minuto a minuto, emoção a emoção,
Coisas antagónicas e absurdas se sucedem –
Eu o foco inútil de todas as realidades,
Eu o fantasma nascido de todas as sensações,
Eu o abstracto, eu o projectado no écran,
Eu a mulher legítima e triste do Conjunto,
Eu sofro ser eu através disto tudo como ter sede sem ser de água.
Álvaro de Campos
terça-feira, julho 29, 2003
Agradecimentos
Fina flor do entulho (Parte II e epílogo)
Terra Santa
O que acabaram de ler foi escrito por Marc Bloch, em “Apologie pour l’histoire ou Métier d’historien” (o título da tradução portuguesa – “Introdução à História” – é um disparate). Marc Bloch, um dos historiadores contemporâneos mais importantes, contribuiu para revolucionar a metodologia e é uma referência essencial em História Medieval. Professor na Sorbonne, era francês e judeu. Foi herói da Resistência, fuzilado pelos nazis em 1944.
O excerto que escolhi serve, na perfeição, para relativizar as sentenças que vamos despejando nos blogs ou em qualquer outro suporte. Mas não foi por isso que me lembrei dele, antes para dar uma achega, se tal me é permitido, à troca amistosa de piropos entre o Apenas um Pouco Tarde e o Aviz a propósito do sempiterno conflito israelo-árabe. No fundo, todas as discussões sobre o tema, por mais fundamentadas ou elevadas que sejam, redundam no simples objectivo de determinar quais são os bons e quais os maus. As capacidades analíticas inerentes à idade adulta não anulam os valores construídos na infância, e muitas vezes, mesmo inconscientemente, mais não fazemos do que procurar justificações para aquelas que já são, instintivamente, as nossas simpatias. E encontramo-las, fazendo uso da nossa “tábua de valores que não releva de nenhuma ciência positiva”. É evidente que ninguém que não seja fanático acredita que os judeus são todos bons ou maus, que os árabes são todos bons ou maus. Entre os portugueses, em cuja misturada genética há muito de árabe e de judeu, não faltam bons e não faltam maus.
O que mais me preocupa é a possibilidade de as simpatias assentarem, unicamente, no pressuposto de rebanho político, ou seja, que ser de esquerda é ser pelos palestinianos e contra os israelitas, invertendo-se a ordem de preferências quando se é de direita. Essa parece-me uma péssima “tábua de valores que não releva de nenhuma ciência positiva”. A simpatia pelos israelitas resulta, em certos casos, do remorso por séculos de perseguição a um povo, o prévio martírio foi razão para a inevitabilidade de criar o Estado de Israel. Quanto à simpatia pelos palestinianos, além da tendência de torcer pela parte fraca, deve-se em muito à associação do Estado judaico aos americanos, ao tremendo poder bélico com que se combate a Intifada (há lá algo mais heróico e poético que combater à pedrada...). Nada disto é verdade. A guerra dos “mártires” é algo que nunca entenderemos, e um ocidental que diga compreender a forma como o Hamas ou a Jihad combatem não passa de um hipócrita. Forçosamente. Porém, também é verdade que os palestinianos não têm outra forma de combater o terrorismo de Estado israelita, exacerbado pelo radicalismo de Sharon. E, como escreveu Marc Bloch, o martírio dos fundamentalistas islâmicos “não passa de uma opinião em que não estão de acordo todas as civilizações”.
Israel tem direito a existir. No deserto que lhes deram, fizeram um país extraordinário. Mas a Palestina também tem esse direito. Israel foi legitimado pela comunidade internacional, o que deve ser respeitado. Mas, antes de Israel, a Palestina já era desprezada pelas potências ocidentais, como continuou a ser. Bloch era judeu, mas não sionista. A guerra matou-o por defender o seu país. A França. Os fundadores de Israel abdicaram das nacionalidades que tinham, e, às tantas, o professor da Sorbonne teria feito o mesmo se fosse um sobrevivente polaco, ou checo, ou russo. Ou talvez não. Talvez ele soubesse que um Estado com o seu quê de artificial, assente na unidade religiosa, posto à força numa terra que todos os filhos de Abraão reclamam como sua, não poderia resultar senão num interminável rito sacrificial.
segunda-feira, julho 28, 2003
Rufus Wainwright
sábado, julho 26, 2003
Rivalidade e realidade
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Só quem não vive com o granito pode chamar-lhe cinzento. Tantas cores ele tem! Na mormaça da tardinha à beira-Douro veste a cor barrenta do rio, nas manhãs de bruma toma a forma de gigantes azulados, altivos protectores do burburinho que vai crescendo nas ruas. Luz, sombra e tempo fazem-no desigual, transformando a monotonia em mosaico. A igreja da Lapa é um desses gigantes de granito. Ao lado, jaz Camilo. Lá dentro, repousa o coração de D. Pedro IV, gratidão à cidade que resistiu heroicamente, em 1832 e 1833, ao longo cerco que haveria de dar nome a um blog, tantos anos depois de derrubado o absolutismo. Esse coração é o símbolo de um inabalável orgulho, de uma identidade fortíssima que torna esta cidade diferente. Não melhor nem pior, mas única.
São de antes da nacionalidade as diferenças entre Lisboa e o Porto – não as divergências –, e sempre as diferenças se mantiveram. Lisboa cresceu cosmopolita, ao tornar-se escala obrigatória na rota mercantil de Gibraltar, a partir do momento em que esta foi retomada, nos séculos XII e XIII. O Porto cresceu por si, em si. A vantagem geográfica de um estuário beneficiou Lisboa, é certo. Claro que não prejudicou o Porto, não é de competição que aqui se fala, mas foi mais um factor de diferenciação, no que à moldagem das gentes respeita, e que, mesmo que possa ser ténue reminiscência, continua a existir. E a diversidade do país, todos sabemos, não se esgota nestes dois pólos. A geografia, as diverentes estratégias de povoamento, a condição periférica, que sempre obstou ao desenvolvimento, e a governação centralista, da monarquia feudal ao marasmo do Estado Novo, são factores que potenciaram a existência de realidades tão díspares em terra tão pequena.
Historicamente, Lisboa escarnece do resto do país ou ignora-o. É razão para odiar os lisboetas? Não é. Mas, ao analisar esta questão do bairrismo, convém termos presente que, na capital do perdido império, pulula gente que pode discorrer sobre Borges, frequentar o restaurante de John Malkovich, beber uns copos na Rua da Atalaia ao lado do Pipi (sem saber, claro) e ignorar em absoluto onde fica Carrazeda de Ansiães. Claro que estas generalizações têm sempre um elevado grau de incorrecção, mas Lisboa basta-se, alimentando-se lá fora e borrifando-se cá dentro (fora de portas). Faz bem? Julgo que não. Lisboa não precisa de querer saber do Porto, ou de Coimbra, ou de Vila Franca das Naves para fazer coisas, para ser uma cidade dinâmica, para ganhar prestígio internacional. E, apesar do que de autista há em não querer saber dos outros e seguir o caminho livremente, outras cidades ganhariam algo em fazê-lo, se pudessem. Porém, sistematicamente, de há muitas gerações para cá, as outras cidades vivem na dependência de uma cidade que não quer, por aí além, saber delas. E isso gera um rancor quase congénito, queira-se ou não.
Quem mais se opôs à regionalização, em Lisboa, fê-lo da mesma forma usada pelos habitantes de Nelas para repudiar a criação do concelho de Canas de Senhorim. Lutou para não se ver despojado de algo. Para mim, a criação de concelhos a la carte é um disparate perfeito, mas diabos me levem se eu, sendo de Nelas, estivesse empenhado em manter, à força, elos de ligação com uma população que há tanto tempo queria ver-se livre de mim. Se a regionalização é um disparate, se não se quer fazer de Portugal uma manta de retalhos (argumento populista repetido à saciedade), haja o bom senso de ver que algo está errado e promova-se o quanto antes a reforma administrativa, tendo em conta novas realidades e dando adequada autonomia ao poder local (combatendo o caciquismo, pois...).
Se não fossem esses problemas, o Porto poderia, hoje, seguir o seu caminho sem pensar em Lisboa. É certo que a Invicta é mais atlântica e menos mediterrânica, mais recatada, menos exuberante. Menos empreendedora e arrojada, porventura, mas desde sempre condicionada pela espécie de buraco negro que é a capital, onde se criou uma estrutura que suga recursos, iniciativas e pessoas (ir para Lisboa é, ainda, a solução que muitos encontram para ascender profissional ou socialmente).
[Permito-me reproduzir, aqui, parte de um texto que escrevi a 4 de Julho:
“(...) Porém, a questão do Porto em relação a Lisboa não é mero provincianismo. Mais do que política ou economicamente, a tentação centralizadora da capital reflecte-se no proteccionismo endógeno dos lisboetas, sejam eles de nascimento ou adoptivos. E o paradigma é a televisão, matriz do pensamento colectivo destes tempos, feita essencialmente a partir de Lisboa e em função da vidinha lisboeta: os actores de Lisboa dão a conhecer os actores de Lisboa, os jornalistas de Lisboa dão a conhecer os jornalistas de Lisboa, os parasitas de Lisboa dão a conhecer os parasitas de Lisboa. Portugal assiste. E a revolta, mais visível entre os que são do Porto, devia estender-se a todo o país, sem desmerecimento da linda cidade que Lisboa é e das qualidades de quem lá vive.”]
E a impressão que dão de que toda a gente aqui fala com sotaque (não teria mal, mas também não devia ser sistemático motivo de chacota). E a ideia que transmitem de que nada se passa, numa cidade que, por exemplo, tem a maior universidade do país e a que mais publica, cientificamente, a nível internacional. E as vozes que se levantaram, tentando impedir (e falhando) que o Centro Português de Fotografia fosse instalado no Porto. E as ironias em relação à Casa da Música, que vai albergar aquela que é, reconhecidamente, a melhor orquestra sinfónica do país. E a estação privada de televisão que estabeleceu o objectivo editorial de destruir o clube mais representativo da cidade...
É dose. E se o Porto deve olhar-se ao espelho, questionar o que por si próprio pode fazer e fazê-lo, até pelas potencialidades que tem no seio da ampla região Norte de Portugal-Galiza, o resto não se apaga com duas tretas. Aquele orgulho de que falei no início, simbolizado pelo coração de D. Pedro, que integra o escudo da cidade, faz com que nem toda a comida que nos impingem passe pela garganta.
sexta-feira, julho 25, 2003
Granítico, linear, abrupto
"(...)
"O Porto fez-me gostar das pessoas simples, integras, ainda não tocadas pela usura das palavras, ainda não ecléticas, ainda não dominadas pelo amor-próprio destrutivo, ainda não obcecadas pelas suas virtudes e pela sua facilidade, ainda não acumulando superfícies como quem acha que a vida é um longo espelho, ainda não distraídas, ainda não impacientes, ainda querendo mais alguma coisa com uma tenacidade de absoluta dedicação. Como o Porto é feito de granito em vez de calcário, selecciona a dureza, a persistência, o trabalho, as boas contas, as “contas à moda do Porto”e , já revelou na sua história, que pega em armas quando é preciso.
"(...)"
Escalada
quinta-feira, julho 24, 2003
Fina flor do entulho
Viagra
TSF
"Adeus TSF!
"Carlos Andrade pediu a demissão da TSF, ao que tudo indica, porque os planos da Administração para o futuro próximo da estação passa, entre outras coisas, pela redução do quadro de pessoal, que já estaria no limite do aceitável, no osso. José Fragoso aceitou substituir Andrade e ficar com o ónus do plano de despedimentos assumido por Henrique Granadeiro.
"Sabendo o que se passou no JN e no DN, vendo a transfiguração das publicações do grupo PT nestes últimos tempos, não me restam dúvidas: adeus TSF!
"Claro que a TSF não vai fechar, que em cada 30 minutos a Informação estará em antena, e por aí fora, mas a rádio-notícias que todos, todos, aprendemos a admirar, gostássemos ou não de a ouvir, acabou. Dentro de meio ano, se os prazos de Granadeiro estiverem certos, acabou a TSF.
"Lamento."
quarta-feira, julho 23, 2003
Tapete vermelho
Quantos tapetes vermelhos comprará o petróleo, em vez de conforto e alimento para os 170 mil habitantes do arquipélago?
Que desnorte!
Aqui estamos
terça-feira, julho 22, 2003
Entrevistador entrevistado
Por que me lembrei disto? Ontem, levei com dose dupla de Miguel Sousa Tavares, entrevistado, no “Jornal de Notícias”, e entrevistador de Mário Cláudio, na “Ler”. Cara e coroa, verso e reverso, Yin e Yang. Num caso deveria mostrar-se, no outro mostrar. O problema é que se mostra em ambas as situações. Enquanto o entrevistado lembra que, ao fazer a primeira reportagem, teve a noção de que ser jornalista era o destino para que estava talhado, o entrevistador chega ao ponto de registar por escrito os próprios risos, a meio das perguntas. Podemos admitir que são risos do entrevistado (sempre questionei a importância de registar risos, gargalhadas e pausas numa entrevista escrita...), mas, se é esse o caso, não está de modo algum explícito. E há mais. O entrevistador entra permanentemente em diálogo com o entrevistado, repartindo o protagonismo, e isso, mesmo que seja a fiel reprodução da conversa que um gravador registou, é um erro de palmatória. Uma entrevista a Mário Cláudio, apresentada como tal, passa a ser uma cavaqueira entre Miguel Sousa Tavares e Mário Cláudio, cada leitor entenderá uma forma mais interessante do que a outra. Um exemplo é quando o entrevistado pergunta ao entrevistador se é religioso, e este, no lugar que seria de uma pergunta, pespega um declarativo “Não, não sou”. Passo a transcrever duas passagens curiosas:
MC – (...)Veja, por exemplo, o caso do Saramago. Estou convencido de que oitenta por cento dos leitores do Saramago são pessoas que não passam da terceira página.
MST – Você está convencido. Eu quase que apostava.
MC – O próprio Lobo Antunes, você não gosta muito dele, mas eu gosto das coisas dele...
MST – Eu gosto do Lobo Antunes. Acho difícil, mas gosto muito.
(...)
MST – Acho extraordinário. Eu vejo-me como uma ampulheta. Classicamente. Não consigo ver-me de outra maneira.
MC – Acho que ainda é muito novo. Ainda não apanhou um coice. Sabe o que é? Provavelmente está a precisar disso.
MST – Eu ainda não apanhei um coice? [risos] Já apanhei vários.
E por aí fora. Se isto é uma entrevista, eu vou ali e já venho. Qualquer jornalista que faça entrevistas tem, nas conversas que grava, fragmentos do género, e o que há a fazer é cortá-los. A não ser que o entrevistador, inebriado pela sua própria popularidade, considere que o leitor prefere uma conversa. Se assim é, deve assumi-lo e ser mais participativo. Sobre os 80% que não lêem os livros de José Saramago, parece-me o exagero dos exageros, resultante de uma certa tendência que faz com que o êxito alheio afugente alguns literatos. Pode não se gostar das intervenções cívicas do nosso Nobel (ainda hei-de dizer algo sobre isto do Nobel), pode não se apreciar o estilo literário, podem os temas por ele romanceados não agradar a toda a gente. Mas parece-me difícil negar que ele sabe, como poucos, contar uma história, dominar o ritmo da narrativa, cativar o leitor. Quanto às três páginas, são mais que suficientes para interiorizar a idiossincrasia da pontuação e ler a prosa exactamente como se estivesse escrita nos moldes clássicos. Para se ver que os leitores lêem, de facto, basta ir a duas ou três aparições públicas de Saramago, geralmente causadoras de enchentes, e verificar que de todos os cantos da plateia saem perguntas esclarecidas.
segunda-feira, julho 21, 2003
DESASTRES PORTUGAL ACIDENTES Acidentes de viação: 18 mortos e 806 feridos na semana passada - BT da GNR
Lisboa, 21 Jul (Lusa) - Dezoito mortos e 806 feridos, 66 dos quais em estado grave, é o balanço dos 2.227 acidentes rodoviários registados pelas patrulhas da Brigada de Trânsito (BT) da GNR na semana passada nas estradas do país.
De acordo com dados hoje divulgados, entre 14 de Julho (segunda-feira) e o domingo passado (20 de Julho) a BT contabilizou 3.163 infracções graves e 462 muito graves e detectou 650 condutores com taxa de álcool acima da lei (0,5 gramas/litro de sangue), 198 dos quais foram detidos por apresentarem valor igual ou superior a 1,20 gramas/litro.
Outros 55 condutores foram detidos por não possuírem habilitação legal para a condução de veículos automóveis ou de duas rodas.
Um total de 3.572 pessoas foi autuada por conduzir em excesso de velocidade e foram detectados 675 condutores e/ou passageiros de veículos automóveis que não faziam uso do cinto de segurança ou de sistema de retenção aprovado e obrigatório.
Foram ainda detectados 96 veículos de mercadorias com excesso de peso, tendo os militares da BT prestado auxílio a 1.896 condutores em dificuldades nas estradas.
Relativamente à semana anterior (entre 07 e 13 de Julho), o número de mortos subiu de 17 para 18, assim como o número total de feridos, que passou de 687 para 806. Também o número de feridos graves aumentou de 56 para 66.
Desde o início do ano já morreram nas estradas portuguesas 622 pessoas em resultado dos 59.545 acidentes registados.
Em declarações à agência Lusa, o Director-Geral de Viação, António Nunes, sublinhou que, a manter-se o comportamento dos portugueses relativamente à condução, este ano poderão morrer nas estradas 1.395 pessoas.
António Nunes explicou que este número é uma previsão estatística, que tem por base as mortes em consequência de acidentes rodoviários ocorridas no ano anterior.
Como anualmente o número de mortos nas estradas tem baixado cinco a seis por cento, a DGV, com base nessa estatística, prevê que este ano os óbitos possam atingir um total de 1.395, caso os portugueses não alterem os seus comportamentos na estrada e não acatem as recomendações das autoridades.
ARA.
Lusa/Fim
Asseio e boas maneiras
“Há hábitos impróprios que um convidado à mesa do meu Amo não deve contrair.
“Convidado algum se deve sentar em cima da mesa, nem de costas voltadas para ela, nem ao colo de outro comensal.
“Nem se deve pôr as pernas em cima da mesa. Nem se deve tirar comida do prato do vizinho, sem primeiro lhe pedir autorização. Não se deve colocar no prato do vizinho partes desagradáveis ou semimastigadas da sua própria comida, sem primeiro lhe pedir autorização.
“Não se deve limpar a faca às vestes do vizinho. Nem usar a faca à mesa para trinchar. Não se deve limpar à mesa as armas. Não se deve retirar comida da mesa, colocando-a na bolsa ou na bota, para consumo ulterior.
“Não se deve dar dentadas nos frutos que se encontrem na fruteira, voltando depois a colocá-los lá.
“Não se deve emitir ruídos resfolegantes ou dar cotoveladas. Nem se deve meter o dedo no nariz ou no ouvido durante a conversação”.
sábado, julho 19, 2003
Descobertas
NTV, vassouradas e burradas
sexta-feira, julho 18, 2003
Porto feliz
Torga
S. Martinho de Anta, 26 de Abril de 1954
A Um Negrilho
Na terra onde nasci há um só poeta.
Os meus versos são folhas dos seus ramos.
Quando chego de longe e conversamos,
É ele que me revela o mundo visitado.
Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,
E a luz do sol aceso ou apagado
É nos seus olhos que se vê pousada.
Esse poeta és tu, mestre da inquietação
Serena!
Tu, imortal avena
Que harmonizas o vento e adormeces o imenso
Redil de estrelas ao luar maninho.
Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso
Onde os pássaros e o tempo fazem ninho.
Guerra e Pás
Esclarecimento
O arrazoado que acabaram de ler justifica-se com uma necessidade de esclarecer, e também de assumir culpas minhas, surgido ao reler os textos que vão ficando para trás neste blog. Ninguém me impeliu a fazê-lo nem recebi qualquer comentário a esse respeito, mas parece-me que exagerei ao escrever, sem desenvolvimentos subsequentes, a propósito da relação de Pedro Rolo Duarte com os blogs, “Romantismo não é com ele. Liberdade também não.”. Exagerei porque tais afirmações, secas como aqui se apresentam, não podem ser ditas a respeito de alguém que não se conhece e porque não esclareço que a palavra “liberdade” apenas é aplicada devido ao desdém com que o visado comenta os livres voos dos bloguistas. Mas mantenho que o “DNa” é um produto semijornalístico em que surge publicidade encapotada. Serve isso para menorizar o suplemento do “Diário de Notícias”? Não necessariamente. Ao escrever semijornalístico, digo apenas que nem tudo o que lá se publica é jornalismo, o que não invalida que o resto o seja e tenha qualidade. Publicidade encapotada não é jornalismo, enquadrando-se nessa faceta do “DNa”, por exemplo, produções de moda em que aparecem vários grandes planos de esféricos grandes rabos femininos, com o logotipo de uma marca de jeans bem à vista. Não é obra de jornalistas, o que seria uma violação da lei, mas também não é distinguido como espaço publicitário. Pedro Rolo Duarte é jornalista e director. Ser director de uma publicação de Imprensa não implica forçosamente que se seja jornalista, mas quando se é devia ter-se o cuidado de não pactuar com posturas mercantilistas, mesmo que elas surjam em fidelidade às tendências traçadas pela “Vanity Fair”, pela “Esquire” ou pela “The Face”.
Esclarecido isto, parece-me que Pedro Rolo Duarte, livre de ter as suas opiniões, umas vezes válidas, outras vezes menos, não será o mais credível autor de normas comportamentais para jornalistas, por muito que lhe pesem os genes ou o estatuto.
quinta-feira, julho 17, 2003
Che
Tantas são as questões que isto levanta... Começarei pela mais óbvia. É assim tão difícil admitir que possa mesmo ter sido um questão de direitos de autor, ou de utilização não autorizada? Não devia ser. Pelo contrário, isso devia servir para estimular o debate sobre a propriedade intelectual, que muitos dos que circulam pela blogosfera saberão reconhecer como tema fulcral dos nossos tempos, particularmente por todos os problemas que levanta esta Internet onde despejamos pensamentos furtivos. Depois, há que ter algum pudor na interpretação que se faz da iconografia revolucionária. Che era um romântico, que queria espalhar a revolução por toda a América Latina (por todo o Mundo, se lá chegasse). Pode ter estado certo ou errado, mas não pode julgar-se que foi ele o ideólogo da oligarquia castrista. E mais: qualquer ditadura é abominável, mas não é razoável fazer da situação cubana o inferno na terra, porque tal aferição é muito pouco rigorosa e movida por critérios estritamente clubísticos (muito mais do que ideológicos).
Prende-se isto com a saloia divisão da blogosfera entre esquerda e direita, fiéis e infiéis, bons e maus, sendo uns ou outros bons ou maus, inteligentes ou boçais. Nem os comunistas comem criancinhas nem os de direita querem todos ver os comunistas fuzilados. E não estou eu aqui a pôr-me de um ou de outro lado, se é que isso tem alguma importância. O que importa é ter ideias, é ouvir as ideias dos outros, concordar ou discordar delas. Na blogosfera ou no mundo de carne e osso. E que, no fim da refrega, possamos todos ir beber umas cervejas ou uns copos de tinto, uns com os outros, mostrando-nos à altura do desafio que é ser gente, não mais do que uma eterna luta por ser-se civilizado.
E coloca uma dúvida importante: "Onde está a personalidade política do Porto com visão, credibilidade, capacidade de liderança e de gestão para pegar na ideia, lutar por ela e torná-la realidade?".
Para ajudar ao debate, aceitam-se, em qualquer ponto da blogosfera, propostas de solução para o enigma enunciado.
quarta-feira, julho 16, 2003
terça-feira, julho 15, 2003
Está dito. Agradece-se e acrescenta-se que, mesmo nos tempos que correm, LFM não está a ser propriamente original. O presidente da Associação Comercial do Porto, por exemplo, tem falado bastante do assunto.
Blogar ou estagnar, that is the question
Está isso mal? Não necessariamente. As coisas são como são, e a Imprensa é, admitamos, uma área de negócios como os supermercados, as salas de cinema ou as redes de telecomunicações. Mas é uma área de negócios sensível, pelo menos enquanto os jornalistas dignificarem a profissão que escolheram, honrando a missão a que se propõem e cumprindo as normas de deontologia a que devem saber que estão obrigados. É uma área sensível, porque joga com a formação de opiniões, o fortalecimento ou a debilitação de tendências, as formas como o poder é exercido, mas também porque a independência a que os jornalistas devem obrigar-se é um entrave à viciação do jogo. Contudo, é cada vez menos assim. Nestes tempos, fundar um jornal não resulta de impulsos de cidadania por parte de grupos de cidadãos, de cidadãos-jornalistas, mas sim de estratégias comerciais. E quem diz fundar um jornal diz também comprá-lo, explorá-lo, desmembrá-lo, reformulá-lo, normalizá-lo. Seja num editorial ou na forma como se noticia um roubo por esticão, escrever num jornal é, portanto, resistir à normalização da forma e do pensamento. É fazer jornalismo e não produzir conteúdos. E – não sejamos catastrofistas – é algo que os jornalistas portugueses continuam a fazer bem, quero dizer, fugir ao vazio da produção de conteúdos, palavra odiosa que, de cada vez que é admitida por um jornalista, significa lançar a toalha ao tapete.
Os blogs não são jornalismo. Mas são, neste tempo que temos, neste tempo que somos, uma nova forma de exercer cidadania. Um novo caminho, pessoal, que nos reporta ao romântico instinto de participação que, noutros tempos, levava as pessoas a fundar jornais. Efémeros e intermináveis, os blogs não roubam lugar à palavra impressa, à escrita com o grau de responsabilidade a que a profissão de informar obriga. Mas são outro rumo, um rumo livre, uma nova forma de participação e não o exercício de vaidade que alguns denunciam. Devo dizer que, bem mais do que a presença na blogosfera de gente conhecida, as opiniões preconceituosas de Pedro Rolo Duarte (de quem discordo em absoluto) contribuíram para a minha iniciação nesta aventura. Ainda por cima, porque tal militante antibloguista é, afinal de contas, não mais do que o editor de um produto semijornalístico em que se fazem experiências de design e publicidade encapotada. Pedro Rolo Duarte, para quem ler blogs é uma perda de tempo, abre o livro quando mostra que o mais importante é obedecer às tendências traçadas por revistas fashion, como a “Esquire” ou a “Vanity Fair”. Romantismo não é com ele. Liberdade também não.
domingo, julho 13, 2003
Grande Porto
Quando Luís Filipe Menezes fala no assunto, porém, parece haver uma dose de demagogia que retira brilho ao projecto. Mais do que um visionário, Menezes é ambicioso, o que nem é defeito, excepto se o que está em causa é a ambição pelo poder, se o que determina as propostas mais não é do que o assalto a um cargo. Mas a ideia merece ser intensamente debatida, não apenas a nível local mas no âmbito de uma extensa revisão administrativa de que este país evidentemente necessita, por uma série de problemas que a criação de novos concelhos para cumprir promessas eleitorais vai agravando. A fusão do Porto com Gaia demonstraria que assim tem de ser, pois não faz sentido colar, pura e simplesmente, um município urbano a outro onde subsistem muitas freguesias rurais. Se idealizo a fusão das cidades é a fusão das cidades que idealizo, para que o novo burgo possa ser gerido e planeado por uma lógica urbana, evitando prejudicar e ser prejudicado por freguesias como Crestuma, Olival ou Perosinho, entre tantas outras. Perder-se-iam eleitores e população para a grande metrópole, é certo, mas, mesmo assim, ela ganharia um enorme peso suplementar, que tornaria gritantes as muitas carências estruturais ainda existentes.
P.S. - Nunca morri de amores por LFM. Pelo contrário, nunca me despertou ponta de simpatia. Mas é curioso ver como o homem é um lorde ao pé dos presidentes da Distrital e da Concelhia portuenses do partido a que pertence. E do Rio, e do Valentim...
Coisas técnicas
Miguel Torga nunca chamaria ao seu Diário blog, esta coisa em que coincidimos, levados na torrente de um avanço tecnológico que nunca compreenderemos plenamente. Torga, quando subia a S. Martinho de Anta para beber das fragas e do seu Doiro, conversava com o imponente negrilho que protegia, num forte abraço de sombra, a casa das origens. Dedicou-lhe versos, ao negrilho, e impressionou-se com o tal soldado índio de ouvidos de tísico, reminiscência de fé numa espécie humana que via atolada no negrume.
Como evoluíram, de então para cá, as "coisas técnicas"! As más. E como conseguiremos nós descobrir um "lampejo de esperança" à medida destes tempos?
Ordem divina
Semelhante aleivosia, sem tirar nem pôr, foi-me dita, há alguns anos, por um pároco de aldeia, caçador, que dormia com a caçadeira carregada à cabeceira, não fosse entrar-lhe pela casa algum bicho homem com intenções cleptómanas. Quão afortunados os que compreendem com tal acerto a Ordem traçada pelo Criador. Tivesse eu essa sorte, não me atormentaria com os toureiros glorificados por infligirem sofrimento, com os animais abandonados no Verão, com os cães que os caçadores abatem nas serranias, depois de os julgarem imprestáveis para a prática de tiro ao alvo vivo... Quanto a Deus, que supervisiona directamente as pessoas, também estamos conversados, habitantes que somos de um Mundo feito de iniquidades, carnificinas e gritantes abusos de poder.
Jaquinzinhos
O problema, ali, é uma questão de tom. Talvez possa parecer mania da perseguição (sentimento serôdio que tento evitar), mas a verdade é que o texto do Jaquinzinhos não foi, propriamente, um estudo do fenómeno à escala nacional. Reportou-se a uma zona muito específica de Portugal e, mesmo que não fosse essa a intenção, confundiu-se com certas vozes que, sistematicamente, desdenham uma realidade que desconhecem. Isso é que incomoda.
sábado, julho 12, 2003
E foi o Outro, eu quem chamou a atenção para uma nota do Jaquinzinhos, a propósito do Porto, que passo a transcrever: "Pobre cidade, cercada por tanto trogloditismo".
Não é simpático, não é civilizado, não é inteligente. O Jaquinzinhos, para quem não saiba, é do Algarve, e, como tudo o que é terra tem os seus trogloditas, permito-me lembrar, a título de exemplo, Cavaco Silva ou Macário Correia.
E lembro-me, como sucedeu um destes dias, do manifesto de Álvaro de Campos aos estudantes de Lisboa: Ó Jaquinzinhos: nadem, deixem-se fritar e calem-se!...
Reverências
Evidentemente que, antes do texto de Rangel, o Terras do Nunca já deve ter lido, por exemplo, "Os novos cães de guarda", de Serge Halimi, redactor do "Le Monde Diplomatique", obra em que o "Jornalismo de Reverência" (prática comum no país de salamaleques que é a França) é devidamente analisado. Saberá ele muito bem que o "Jornalismo pé de microfone" nasce, em grande parte, da exacerbada produtividade das inúmeras escolas de jornalismo, porque os jovens candidatos à entrada num restrito mercado de trabalho, motivados pela expectativa de progressão profissional, prestam-se a determinados papéis de que as hierarquias os incumbem, desprovidos que são da capacidade de resistência ética que só a permanência numa redacção lhes proporcionará. E imaginará também que, mais do que pelos redactores que consultam fontes, a "reverência" pode ser exercida, subtilmente, por alguns editorialistas de "cu sentado".
sexta-feira, julho 11, 2003
Calor glacial
Afinal, coisas destas não acontecem só em Portugal! Mas o insólito caso remete-nos, sem grande esforço, para o que se passou com a força da GNR destacada para o Iraque, também a braços com a falta de material. Para a história ser perfeita, só faltava que Figueiredo Lopes e Paulo Portas, numa iniciativa conjunta, mandassem para lá, a título excepcional, os submarinos que tanta falta fazem para proteger dos invasores a lusa nação.
Corrida RTP
Morais Sarmento, conceituado performer da nobre arte de dar e levar umas murraças, é capaz de achar que sim. Que é serviço público. Eu acho que não.
Memória de Peixe
Pretinho no Branquinho
Ora, nos intervalos de gerir empresas (lembrei-me aqui de um célebre manifesto de Álvaro de Campos), o citado Branquinho convence-se de que tem opiniões e publica-as (hélas!) no Jornal de Notícias. O público tem sucessivas exclamações de impaciência (novamente Pessoa revisited). Hoje mesmo, moralista e moralizador, estende-se em considerandos sobre deontologia, intercalados com pinceladas de gabarolice. E é sobre deontologia nos jornais que escreve, desfiando um rol de vulgaridades que exasperam qualquer jornalista ciente da importância e do elevado grau de responsabilidade que a profissão acarreta.
Dá-se o caso de o tal administrador de empresas, na sua prosa pejada de fanfarronice, apresentar como virtude curricular a actividade em "marketing e comunicação", que, digamos, são exercidas à margem de quaisquer normas deontológicas. E sucede que é recorrente ele assumir-se como a voz do dono, em especial para dar alfinetadas patéticas nos jornais, porque o dono, bem sabemos, não se dá bem com críticas e gosta de ter razão até às últimas e mais disparatadas consequências.
Foi este homem posto na Casa da Música, o que não augura nada de bom. Ao menos, temos a satisfação de saber que ele vai suar em bica enquanto sobe e desce escadas, porque o outro não teve oportunidade de construir o tal elevador que ia inviabilizar salas de ensaios, estúdios e camarins. Este homem, e outros como ele, não pode ter lugar destacado numa cidade que precisa de avançar já para o cosmopolitismo que merece.
Credibilidade
António Pires de Lima (filho) é igual a António Pires de Lima (pai). Porque são praticamente fotocópias, no que à fisionomia diz respeito, e ainda porque ambos tendem a ser um pouco para o desbocado.
Ao chegar a casa, ontem, liguei o televisor na SIC Notícias e dei de caras com o dirigente do CDS-PP, esclareça-se que é o filho, a soltar das cordas vocais a seguinte pérola: "A dra. Manuela Ferreira Leite é, neste Governo, o maior símbolo, em termos de credibilidade".
Caso tenha assistido, Paulo Portas, que se julgará o mais credível de todos, deve ter sentido uma pontada no fígado, que rapidamente transitou para o céu da boca e desceu súbito para as plantas dos pés, onde provocou uma crise de urticária apenas curável com doses reforçadas de pílulas de alho. Quem tem amigos assim...
Saudaçom retribuída
Como ele diz, coincidimos no burgo, na coloração futebolística e na azia que nos provoca o mais sensaborão de todos os autarcas.
E, claro, aqui se recomenda aos eventuais leitores que sigam os links acima, um para usufruir das ideias do citado blog, outro para que possam fazer um print da fotografia, que deverão pôr no açucareiro para espantar as formigas.
quinta-feira, julho 10, 2003
Aviz
Grand Jacques
quarta-feira, julho 09, 2003
La quête
Rêver un impossible rêve
Porter le chagrin des départs
Brûler d'une possible fièvre
Partir où personne ne part
Aimer jusqu'à la déchirure
Aimer même trop, même mal
Tenter sans force et sans armure
D'atteindre l'inaccessible étoile.
Telle est ma quête
Suivre l'étoile
Peu importe ma chance
Peu m'importe le temps
Où ma désespérance
Et puis lutter toujours
Sans question ni repos
Se damner pour l'or d'un mot d'amour .
Je ne sais si je s'rai ce héros
Mais mon coeur s'rait tranquille
Et les villes s'éclabouss'raient de bleu
Parce qu'un malheureux
Brûle encore bien qu'ayant tout brûlé
Brûle encore, même trop, même mal
Pour atteindre à s'en écarteler
Pour atteindre l'inaccessible étoile.
terça-feira, julho 08, 2003
O mote é a frase com que José Mourinho, comandante-em-chefe das tropas dragonianas, encerra, no seu livro-entrevista, o capítulo dedicado à vitória do F. C. Porto na Taça UEFA. Que não sejam irrepetíveis os cigarros acesos uns nos outros, o cachecol em torno do pescoço, as pernas irrequietas num vaivém frenético e os olhos fixos no ecrã, em pleno local de trabalho, antes tivesse sido em Sevilha. Que não seja irrepetível o golo de Derlei que fez da angústia festa. Que não seja irrepetível o triunfo que vivemos como nosso sem nele termos participado, espantosa massificação da glória que o futebol proporciona. Que não sejam irrepetíveis os sorrisos na rua, os gritos, os abraços encharcados em cerveja e lágrimas. Que não sejam irrepetíveis as expressões enraivecidas dos amigos benfiquistas ao som das nossas expressões de gozo, esbanjadas enquanto a maré está de feição e os ventos não mudam de rumo, pois outro dia seremos nós os amuados, para isso servem amigos de diferentes fés clubísticas. Que não seja irrepetível a alegria, venha ela de onde vier. Que não seja irrepetível a esperança.
E que nunca se repita o papelaço dos senhores deputados, que queriam chamar serviço político ao prazer de viver aquilo tudo.
segunda-feira, julho 07, 2003
Berlusconi
Por pouca pachorra que haja para ouvir os deputados ou a dance music, não devemos calá-los. Se a música, enquanto música, dispensa explicações, por mais atrozes que possamos considerar determinadas sonoridades, os deputados poderão suscitar algumas dúvidas. Mas não devemos amordaçá-los, pois são a nossa extensão no seio da coisa pública, mesmo que isso tantas e tantas vezes não corresponda à verdade.
Tais considerandos, aqui despejados enquanto espero que um bando de galfarros esteja a postos para ir jantar, remetem-me para o episódio de Estrasburgo. Pensando a quente, poderia ficar-me pela náusea que a simples existência de Berlusconi provoca. A frio, a náusea continua lá ("ai, que não posso!, como no anúncio de água com gás que está na berra), mas parece-me importante chamar a atenção para outras circunstâncias, particularmente em função da ultracomentada "reportagem" produzida por Abrupto, que, sem o reconhecer e negando-o, tentou dourar a pílula ao criticar o comportamento provocatório dos parlamentares de esquerda. Condenando a resposta de Berlusconi, enquadrava-a no comportamento acintoso dos provocadores, que surgia como o descrédito total da instituição parlamentar...
Mas a lógica parlamentar é isso. De uma maneira ou de outra, os deputados de todos os quadrantes ultrapassam limites e tornam a discussão viva, acalorada e, por tudo isso, mais proícua, pois muito ficaria por dizer num oceano de formalidades cumpridas à risca. É evidente que a chamada de atenção de Abrupto para os incompletos relatos dos media (que usa e dos quais faz parte, em várias vertentes...), posteriormente confirmada por Aviz e por outros que não merecem crédito, é evidente, dizia, que essa chamada de atenção é importante. Mas ficam por dizer coisas em que até um ignorante em matéria de regimentos parlamentares repara: as manifestações de deputados para além do uso da palavra são comuns em todos os parlamentos (ainda outro dia se exibiam panfletos na Câmara dos Deputados, em Espanha); e Berlusconi não é membro do Parlamento Europeu e, enquanto visitante, não tem o direito de desrespeitar de maneira tão atroz os parlamentares (há tempos, na nossa Assembleia da República, Mota Amaral foi muito duro com o seu correligionário Durão Barroso, impedindo-o de fazer comentários de determinada índole à bancada comunista).
Quer isto dizer que Berlusconi não pode ver o seu comportamento asqueroso branqueado. De maneira nenhuma. E que não venham dizer que a legitimidade democrática justifica tudo. Não comparo Berlusconi a Hitler, pois o ditador nazi terá sempre de ocupar um lugar isolado na galeria dos horrores, mas a verdade (isto é banal, bem sei) é que também Hitler foi eleito...
No meio de tanta coisa interessante dita pelo juiz Baltasar Garzón, na entrevista que deu à revista "Única", do "Expresso", destaco a pequena laracha em epígrafe. Ó Baltasar: falar de dinheiro e meter jornalistas à mistura com médicos e juízes é o mesmo que falar em armas de destruição maciça e pôr o Iraque ao mesmo nível dos Estados Unidos.
Pobrezinhos e felizes só nos filmes-propaganda do Estado Novo (pátios das cantigas, canções de Lisboa, pais tiranos...), tão divertidos e inocentes, mas, ao mesmo tempo, estratégicos e castradores.
Prioridades educativas
Estes estudos, que em circunstâncias normais poderiam revelar-se extremamente úteis, assumem, no caso português, alguma perversidade. Por um lado, contribuem para uma parola imagem de menoridade dos cursos em áreas do saber como as letras, as ciências sociais ou as artes, reais montras do progresso de um povo. Por outro, levam os políticos a concentrar esforços no combate artificial ao insucesso escolar, especialmente no Ensino Básico, em que saber deixou, em muitos casos, de ser a condição primeira para transitar de ano (os próprios professores reconhecem que, em muitos casos, “chumbar” um aluno significa uma carga de problemas). Mas, para os políticos imediatistas e eleitoralistas que temos, não há como uma boa estatística, mesmo que baseada na implementação de um confrangedor facilitismo.
A chave está em criar mecanismos para que a ciência seja realmente atractiva (por que cortaram as dotações orçamentais do Ciência Viva???), o segredo está em mostrar aos jovens que a matemática pode ser divertida, é útil e tem significado. Como ainda não conseguiram fazer isso, os alunos fogem em debandada, perdem-se vocações e ganham-se muitos professores no desemprego.
sexta-feira, julho 04, 2003
Essa é, realmente, uma questão importante. O futebol é importante, porquanto nos momentos em que lhe damos importância, de alma e coração, nada mais importa. Ilusoriamente, o lodaçal em que o mundo se vai afundando perde importância. É mentira, já sabemos, mas o peso de ter os pés sempre assentes no chão é demasiado opressivo e temos de saber como nos libertarmos dele uma vez por outra.
Centro do centro do centro
Porém, a questão do Porto em relação a Lisboa não é mero provincianismo. Mais do que política ou economicamente, a tentação centralizadora da capital reflecte-se no proteccionismo endógeno dos lisboetas, sejam eles de nascimento ou adoptivos. E o paradigma é a televisão, matriz do pensamento colectivo destes tempos, feita essencialmente a partir de Lisboa e em função da vidinha lisboeta: os actores de Lisboa dão a conhecer os actores de Lisboa, os jornalistas de Lisboa dão a conhecer os jornalistas de Lisboa, os parasitas de Lisboa dão a conhecer os parasitas de Lisboa. Portugal assiste. E a revolta, mais visível entre os que são do Porto, devia estender-se a todo o país, sem desmerecimento da linda cidade que Lisboa é e das qualidades de quem lá vive.
quinta-feira, julho 03, 2003
De uma penada, ao pôr os auriculares, calei os Barrosos e os Berlusconis que discursavam para fora do televisor. Se a música faz as vacas dar mais leite, por que não há-de servir para calar as vozes estridentes que se ouvem por aí?
Crueldades globais
No mundo dito civilizado, há quem leia notícias com este teor e continue a achar que a globalização que nos andam a impingir é uma grande coisa. Suponho que foram picados no cérebro por algum mosquito, que lhes inoculou uma forma desconhecida de malária, caracterizada pela transformação de neurónios em rolhas de cortiça.
Rio sem caudal
Mesmo antes de ser afogado em foguetes por Luís Filipe Menezes, este obcecado pela Câmara do Porto desde que teve receio de a ela se candidatar, já que as sondagens o davam como derrotado em confronto com Fernando Gomes, mesmo antes disso, dizíamos, Rio tinha levado um estaladão – nem mais – do presidente da República, que sublinhou o carácter nacional do projecto Casa da Música, preveniu para os perigos de partidarizar o processo e apelou à necessidade de manter Pedro Burmester.
Rui Rio não compreende que quem está à frente de um projecto artístico não tem, necessariamente de imitar a voz do dono (“His master’s voice”, para usar uma expressão histórica da indústria dicográfica). Mais, Rui Rio não percebe que não é dono de coisa nenhuma. Mais ainda, Rui Rio não tem grandeza moral para aceitar críticas, escudando-se desmesuradamente, como é apanágio da actual classe dirigente portuguesa, nos sacrossantos desígnios entregues pelo eleitorado. Pena é que não tenha, porque, na realidade, está exclusivamente preocupado com questiúnculas que “reduzem o Porto a uma aldeia”, tal como disse Burmester.
Artista e responsável por um projecto artístico, Burmester não tem de estar preocupado com questões externas à sua missão. É a essa missão que deve ser fiel, não a esta ou àquela conjuntura política. Não se pode esperar dele a mesma postura assumida por um gestor que tão depressa tem nas mãos camiões TIR como a possibilidade de catapultar uma cidade para padrões culturais de que uma longa ausência de iniciativa a têm afastado. E deverá, evidentemente, manter níveis de responsabilidade semelhantes aos que tinha, pois um projecto desta envergadura não se coaduna com sacudidelas e danças de cadeiras, tão típicas da gestão política à portuguesa.
O gestor de camiões já foi para a rua, e Rui Rio terá compreendido, por estas e por outras, que não terá direito a segundo mandato. Ele é tudo o que o presidente de uma câmara como a do Porto não deve ser. É a ausência de ambição, a personificação da pequenez. É quezilento, ressabiado, irritadiço. Não faz, tenta impedir que façam. Não sonha. Não vê para além do livro do deve e haver. É razoável em contas de merceeiro, mas não existe enquanto líder local. Ganhou as eleições por acaso e nunca compreendeu o que a realidade lhe exigia. Nunca a História lhe dará razão, pois nela não tem lugar.
Preâmbulo
Assim sendo, cá vai!